Fraude na Amazônia: empresas vendem créditos de carbono a gigantes multinacionais A Defensoria Pública do Estado do Pará informou que vinte
Fraude na Amazônia: empresas vendem créditos de carbono a gigantes multinacionais
A Defensoria Pública do Estado do Pará informou que vinte empresas brasileiras e três estrangeiras (uma americana, uma canadense e uma britânica) obtiveram terras públicas na Amazônia para obter lucros irregulares com a venda de créditos de carbono para gigantes multinacionais.
A Defensoria Pública do Pará levou os casos à Justiça. Eles realizaram três ações civis públicas na Vara Agrária de Castanhal contra os indivíduos envolvidos em três projetos de crédito de carbono localizados na área rural de Portel.
Portel é um município com 62,4 mil pessoas que vivem nas áreas ribeirinhas. É uma distância de 13 horas de barco de Belém, a 263 km da capital, e é atravessado pelos rios do arquipélago do Marajó .
As multinacionais incluem empresas farmacêuticas, companhias aéreas e até mesmo um time de futebol da Inglaterra. Eles gastaram esses créditos com o objetivo de compensar as emissões de gases do efeito estufa que elas próprias causaram. As compras foram feitas legalmente na Verra, o maior certificado mundial de venda de créditos de carbono, sem evidências de problemas com o crédito.
A Defensoria Pública não atua contra corporações multinacionais. As empresas que obtiveram os créditos de carbono são alvo de processos judiciais. De forma geral, as multinacionais afirmam que não sabiam das irregularidades apontadas pela Defensoria. O time de futebol também não respondeu às tentativas de entrar em contato.
A Verra afirma que trabalha com a Defensoria e que, enquanto realiza “verificações”, suspendeu a venda de novos créditos de carbono dos três projetos.
A Defensoria do Pará aponta três problemas com os projetos:
- Os responsáveis dizem que os projetos estão em propriedades particulares, mas, na verdade, eles estão localizados em terras públicas estaduais.
- Como estão em terras públicas, esses projetos precisavam ter tido alguma autorização dos órgãos do governo local, o que não aconteceu.
- As comunidades ribeirinhas, que vivem em assentamentos agroextrativistas, demarcados pelo governo do Pará, deveriam ter sido consultadas sobre esses projetos, para dizer se concordavam ou não com eles. Segundo a Defensoria e ribeirinhos, isso também não aconteceu.
As ações da Defensoria demonstram que as empresas privadas estão lucrando com terras de floresta pública sem permissão do estado ou retorno para as famílias da região.
O órgão considera que isso é grilagem de terras públicas porque as empresas responsáveis pelos projetos receberam matrículas imobiliárias e CAR inválidas para dizer à maior certificadora internacional de crédito de carbono que as áreas eram propriedade privada.
“Trata-se de uma prática ilícita realizada pelos requeridos […] para se beneficiarem de área de floresta pública de posse das comunidades tradicionais”, dizem as ações.
Mas o que são créditos de carbono?
- Trata-se de um mecanismo criado para remunerar projetos que desenvolvem ações de combate às mudanças climáticas. Pode ser com energia renovável, reflorestamento ou preservação da floresta, como é o caso em Portel.
- Empresas que lançam na atmosfera gases do efeito estufa (o que contribui para as mudanças climáticas) podem recorrer a esses projetos para compensar suas próprias emissões.
- 1 crédito equivale a 1 tonelada de gás carbônico. Uma empresa que emite 100 toneladas de gases do efeito estufa pode, por exemplo, comprar 100 créditos como compensação.
- Por enquanto, ainda não existe no Brasil um mercado regulado pelo governo. Dessa forma, os créditos são negociados no chamado mercado voluntário.
Pelo menos 1.484 famílias ribeirinhas vivem em comunidades localizadas ao longo das margens dos rios em terras públicas estaduais já tituladas pelo governo estadual. Os cinco assentamentos ocupam mais de 3,3 mil quilômetros quadrados de florestas públicas, o dobro da área da cidade de São Paulo.
“Um dos questionamentos que fazíamos era sobre quem financiava o projeto. E eles [representantes das empresas] não quiseram dizer. Também não disseram quem era o coordenador, o dono da empresa. Só diziam ser uma ONG”, conta Gracionice Silva, hoje presidente da Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Alto Pacajá, que representa um dos assentamentos. Fraude na Amazônia: empresas Fraude na Amazônia: empresas
“Da forma com que está sendo feito, o dinheiro está indo, e a gente não sabe nem para o bolso de quem”, diz ela.
- Para poder vender créditos de carbono no mercado voluntário, projetos do tipo submetem várias documentações a uma certificadora internacional, que possui metodologias para estimar quantas emissões seriam evitadas.
- A maior certificadora é a Verra, uma organização sem fins lucrativos com sede nos Estados Unidos.
- Depois que são registrados por uma certificadora, os projetos começam a comercializar créditos.
- Na zona rural de Portel, três projetos foram registrados e validados pela Verra. Segundo a documentação, eles estavam em terras privadas. Mas não é isso que mostra o cruzamento de coordenadas geográficas.
- Entre as centenas de compradoras de créditos desses projetos, estão empresas mundialmente conhecidas, como Air France, Boeing, Braskem, Toshiba, Samsung, Kingston, Barilla, as farmacêuticas Bayer e Takeda, além do Liverpool, time de futebol da Inglaterra.
- Cada contrato de compra e venda de crédito de carbono é negociado de forma privada entre as partes. Assim, não é possível saber exatamente quanto os projetos lucraram com a venda dos créditos.
- Em 2021, quase 1,4 milhão de créditos do projeto Pacajaí, por exemplo, foram usados por empresas para compensar emissões. Naquele ano, o valor médio global dessa categoria de crédito de carbono foi de US$ 5,80, segundo a Ecosystem Marketplace.
- Assim, num cenário completamente hipotético em que todos esses créditos do projeto tenham sido vendidos por esse valor em 2021, o total seria de mais de US$ 8,1 milhões, ou R$ 40,8 milhões.
- O projeto Pacajaí comercializa créditos desde pelo menos 2015 e foi proposto por uma empresa identificada pela sigla ADPML — esta, por sua vez, é controlada por um fundo com sede na ilha britânica Guernsey, no canal da Mancha.
Os projetos desse tipo de crédito de carbono visam financiar a preservação das florestas, evitando o desmatamento. Por outro lado, não há evidências de que os projetos da Portel realmente tenham protegido o meio ambiente.
“Foram projetos de gaveta, projetos no papel, que efetivamente não operaram qualquer proteção ambiental nessas áreas de floresta na Amazônia”, afirma a defensora pública agrária Andreia Barreto, autora das ações judiciais.