Próxima pandemia pode vir da Amazônia, diz pesquisadora da Ufra

Você sabe o que a dengue, a malária, o HIV, a cólera e a Covid-19 têm em comum? Todas essas são doenças que vêm de animais e que, muito possivelmente, se espalharam entre os homens devido à destruição de seus habitats. A intensa degradação e o desequilíbrio ambiental em que vivemos foram, provavelmente, a causa para que o vírus SARS-COV-2 – causador da Covid-19 – saltasse dos morcegos para os humanos, resultando na maior pandemia dos últimos 100 anos.

Bióloga e doutora em Ecologia Aplicada, a professora Vania Neu, da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), explica que não é de hoje que existe uma relação entre meio ambiente e doenças. “É importante lembrar que, no curso da humanidade, não foram as guerras que levaram a maior parte das vidas, mas, sim, epidemias e pandemias, tais como a peste negra e a gripe espanhola. Elas sempre estiveram presentes ao longo da nossa história e vão continuar existindo”, alerta.

Com o desmatamento no Brasil atingido recordes, em especial na Amazônia, que registrou a mais alta taxa de desmatamento dos últimos 10 anos, cria-se um cenário propício para o surgimento de novas epidemias. “Talvez o próximo vírus que poderá trazer prejuízos para todo o mundo venha de uma área desmatada na Amazônia. Tanto o desmatamento quanto as mudanças climáticas são muito preocupantes do ponto de vista de novas doenças que virão”, alerta.

De acordo com dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgados em maio deste ano, só em abril a região teve um aumento de 171%. Nos meses seguintes, maio e junho, os índices também tiveram taxas recordes.

A professora da Ufra traça um paralelo entre a curva acelerada de contágio de Covid-19 com outras curvas, que vêm apresentando crescimento desde 1950, como o crescimento populacional, o uso da água, o uso de energia e o consumo de fertilizantes, que levaram a uma intensa degradação da biosfera; além do aquecimento da superfície terrestre, a acidificação dos oceanos e a emissão de gases do efeito estufa, como dióxido de carbono, metano e dióxido nitroso.

“A gente precisa acreditar na ciência para que possamos amenizar as próximas curvas exponenciais. A curva do Covid-19 deverá durar entre 1 a 2 anos e vai passar, pois vamos desenvolver vacinas e remédios. No entanto, depois virá uma curva maior, que é a das mudanças climáticas. Só que para essa curva não terá vacina, e ela não vai durar apenas 2 anos; vai durar séculos. Se o nosso ambiente não for saudável, com certeza vamos adoecer, porque todos fazemos parte da mesma casa: este superorganismo que é o planeta Terra”, afirma.

Novo coronavírus

Para a professora, o distúrbio que favorece as epidemias é multifatorial, pois tem causas não somente ambientais, mas também sociais, econômicas e políticas. E a Covid-19 exemplifica bem esse desequilíbrio. “Ainda temos muitas incertezas acerca dessa nova doença, porém o que se tem apontado é que o primeiro caso tenha surgido em Wuhan, na China, em um dos chamados mercados úmidos (wet markets), onde se comercializam frutos do mar e animais silvestres”.

Segundo ela, os animais silvestres são tirados da natureza, colocados em gaiolas, expostos ao estresse intenso, abatidos e eviscerados no próprio mercado. Surge, aí, um ambiente com pouca higiene e extremamente insalubre, onde fezes, urina, sangue e vísceras se misturam.

Os mercados úmidos são assim denominados devido ao hábito de se jogar água, na tentativa de higienizar o ambiente, o que os torna propícios para que um patógeno (vírus, bactérias ou fungos) faça o salto entre espécies – o que provavelmente aconteceu com o coronavírus.

“Este vírus é muito comum em morcegos, não trazendo dano algum a este grupo de animais. Provavelmente, nesse ambiente de pouca higiene, o vírus saltou do morcego para o pangolim, o mamífero mais traficado no mundo, e depois para a nossa espécie devido ao consumo de sua carne”.

Não é de hoje que cientistas alertam sobre os riscos do consumo de carne de animais silvestres, especialmente quando se trata de espécies próximas à nossa. Devido a uma grande similaridade com a espécie humana, os mamíferos podem ser reservatórios de uma série de patógenos que também podem trazer prejuízos ao homem.

Publicado em 2007, um artigo científico já alertava sobre um possível surto de coronavírus, devido ao consumo de animais silvestres, sendo considerado pelos pesquisadores uma bomba-relógio. A pandemia da gripe espanhola (H1N1), que vitimou milhões de pessoas entre 1918 e 1920, se originou em um ambiente similar ao do SARS-COV-2: pouco espaço, muitas pessoas e pouca higiene.

Equilíbrio ameaçado

A professora ressalta ainda que vírus, bactérias e fungos são naturais e estão aqui há muito mais tempo do que a nossa espécie. São resultados de um longo processo evolutivo entre espécies animais e vegetais na natureza. À medida que o homem desrespeita esses ambientes, destrói florestas, desaloja espécies e elimina habitats, ele força os animais a se moverem, permitindo que os patógenos fiquem próximos do ser humano e também saltem de uma espécie para outra.

Daí a importância do equilíbrio: “A biodiversidade é essencial para a sobrevivência do ser humano porque a gente depende dos chamados serviços ecossistêmicos”, pondera. No caso dos morcegos, por exemplo, “o bem que eles fazem para a nossa espécie supera quaisquer potenciais negativos, pois eles comem toneladas de insetos transmissores de doenças e pragas, são essenciais para a polinização e também são os maiores reflorestadores naturais que existem”.  

Fonte: Ascom/Ufra

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