Entidades indígenas repudiam aprovação do marco temporal

Entidades indígenas repudiam aprovação do marco temporal Texto-base do Projeto de Lei 490/07, que trata do marco temporal para demarcação

Entidades indígenas repudiam aprovação do marco temporal
Texto-base do Projeto de Lei 490/07, que trata do marco temporal para demarcação de terras indígenas, foi aprovado na terça-feira (30) e gerou uma série de manifestações e críticas por parte das lideranças indígenas do Mato Grosso do Sul.  A Câmara dos Deputados, aprovou o projeto por 283 votos favoráveis e 155 contrários.

Lideranças da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) criticaram a aprovação.

O texto prevê que os povos originários só têm direito às terras que já eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

Na prática, a tese permite que indígenas sejam expulsos de terras que ocupam, caso não se comprove que estavam lá antes de 1988, e não autoriza que os povos que já foram expulsos ou forçados a saírem de seus locais de origem voltem para as terras.

Univaja

A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) atua no Vale do Javari, a segunda maior terra indígena do país. A Terra Indígena fica localizada nos municípios de Atalaia do Norte e Guajará.

O Vale do Javari foi demarcado por decreto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em maio de 2001 e é composto por nove organizações de base dos povos indígenas que vivem no território: Mayoruna/Matsés, Kanamary, Marubo, Korubo, Matis, Kulina e Tsohom Diapá.

O coordenador da Univajam Bushe Matis, definiu o PL 490/07 como “retrocesso”. Para ele, a demarcação que foi feita durante a promulgação da Constituição Federal precisa ser respeitada.

Foirn

A Foirn tem sede fixa no município de São Gabriel da Cachoeira, a 852 km de Manaus.

Fundado em 1987, o grupo conta com mais de 750 comunidades. O objetivo da federação é defender os povos originários na região da tríplice fronteira com Venezuela e Colômbia.

O presidente da Foirn, Marivelton Baré, afirmouque o projeto é inconstitucional e que irá aguardar o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), agendado para o dia 7 de junho.

“A Univaja repudia completamente esse projeto. O texto é um retrocesso para todos os povos originários, inclusive da região do Vale do Javari. Sabemos que existe um grande interesse em explorar as nossas terras e isso não iremos aceitar. A demarcação foi feita em 1988 e a Constituição precisa ser respeitada. Vamos aguardar que os senadores possam votar contra esse projeto”, afirmou o presidente.

Apib

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), criada pelo movimento indígena no Acampamento Terra Livre de 2005, também já tinha criticado o projeto. Uma das bandeiras do grupo é unir os povos indígenas e ampliar a articulação entre as diferentes regiões e organizações representativas do país.

“Sempre que se fala desse projeto, se coloca só a questão do marco temporal, mas esse PL [Projeto de Lei] é muito nocivo aos povos indígenas. São uma série de direitos que seriam vilipendiados”, afirmou Mauricio Terena, advogado e coordenador jurídico da Apib, na terça-feira, após a aprovação da proposta na Câmara.

Mudanças

Entre outras mudanças estão:

  • a autorização para garimpos e plantação de transgênicos dentro de terras indígenas;
  • a flexibilização da política de não-contato de povos em isolamento voluntário;
  • e a possibilidade de realização de empreendimentos econômicos sem que os povos afetados sejam consultados.

Texto vai para o senado

Na semana passada, os deputados aprovaram o regime de urgência para a tramitação da proposta, possibilitando que ela fosse direto à votação em Plenário, sem passar pelas comissões temáticas da casa. Aprovado pela maioria dos deputados, o projeto agora segue para análise do Senado.

Impactos do Marco Temporal

Entenda nesta reportagem o potencial de impacto do marco temporal e quais são as outras alterações previstas na proposta. Confira Abaixo:

1. Quais as consequências do marco temporal

A Constituição Federal determina que cabe à União demarcar as terras “tradicionalmente ocupadas” pelos indígenas. Essas terras são definidas como aquelas que:

  • são habitadas por indígenas em caráter permanente;
  • são utilizadas para suas atividades produtivas;
  • são imprescindíveis à “preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”;

A Constituição não determina uma data-limite para definir o que é um território tradicionalmente ocupado.

O projeto aprovado pela Câmara pretende fazer justamente isso, ao definir que “a ausência da comunidade indígena na área pretendida em 5 de outubro de 1988 descaracteriza o enquadramento” como “terra tradicionalmente ocupada”. A exceção seriam casos de comprovado conflito pelo território até a data da promulgação da Constituição.

Na prática, caso o marco temporal seja aprovado, indígenas que não conseguirem comprovar que estavam em determinada área antes de 1988 não conseguirão a demarcação, ignorando que muitos povos foram expulsos ou forçados a saírem de seus locais de origem –inclusive por determinação estatal durante a ditadura militar.

Além disso, processos de demarcação ainda não finalizados e que se arrastam há anos poderão ser suspensos.

Segundo o Instituto Socioambiental, são pelo menos 145 terras que ainda não tiveram o processo de reconhecimento concluído –elas equivalem a apenas 1,6% da área total de Terras Indígenas (TI) no país e abrigam 45% da população indígena em TIs.

De acordo com o instituto, a proposta é inconstitucional, por tentar alterar o texto expresso da Constituição por meio de lei ordinária federal.

2. Como a proposta autoriza o garimpo e outras atividades econômicas em terras indígenas, entre elas a plantação de transgênicos

O texto aprovado afirma que o direito dos indígenas sobre seus territórios demarcados não inclui “a garimpagem nem a faiscação, devendo, se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira”.

Na prática, esse trecho autoriza o garimpo em terras indígenas, onde atualmente a atividade predatória é ilegal. A Constituição determina que os indígenas têm direito ao “usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos”.

Segundo o Mapbiomas, entre 2010 e 2021, as áreas de garimpo em terras indígenas cresceram 632%, ocupando quase 20 mil hectares em 2021.

Na Terra Indígena Yanomami, a maior do país, o aumento do garimpo nos últimos anos levou a uma grave crise humanitária, com a explosão de casos de malária e o crescimento da fome e da desnutrição infantil. As máquinas do garimpo reviram o leito dos rios, inviabilizando a pesca, e afastam a caça; doentes, os indígenas também não conseguem abrir suas roças. Entidades indígenas repudiam  Entidades indígenas repudiam 

Ao usar mercúrio para separar o ouro, o garimpo também vem causando a contaminação de pessoas e animais. Um estudo inédito recém publicado identificou que peixes consumidos pela população em seis estados da Amazônia brasileira têm concentração do metal 21,3% acima do permitido.

Além do garimpo, o projeto de lei permite que indígenas e não-indígenas façam contratos de cooperação para a realização de atividades econômicas, inclusive agrossilvipastoris, desde que a comunidade aprove a cooperação e que os frutos da atividade beneficiem toda a comunidade.

O texto também passa a permitir o cultivo de “organismos geneticamente modificados” em terras indígenas. Atualmente uma lei de 2007 proíbe a plantação de transgênicos em Terras Indígenas e Unidades de Conservação.

A proposta afirma, ainda, que o Poder Público poderá instalar redes de comunicação e estradas em terras indígenas.

3. O que muda em relação ao direito de consulta

O Brasil assinou uma série de tratados internacionais que estabelecem que os povos indígenas têm o direito de serem consultados previamente e de forma livre e informada sobre eventuais medidas administrativas ou legislativas que possam vir a afetá-los diretamente.

A proposta em discussão dispensa a consulta para várias atividades:

  • instalação de bases, unidades e postos militares
  • expansão estratégica da malha viária
  • exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico
  • resguardo das riquezas de cunho estratégico

Segundo o texto, todos esses empreendimentos passariam a ser implementados “independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente”.

4. Como fica a política de não-contato com povos isolados

Segundo a Apib, há 115 registros de presença de indígenas isolados no país –dos quais 86 ainda não foram confirmados. São grupos que, mesmo sabendo da existência da sociedade não-indígena e até de outras comunidades indígenas, escolheram não se aproximar.

Desde a promulgação da Constituição, a política do estado brasileiro em relação a esses povos tem sido a do chamado “não-contato”. Ou seja, quando uma possível presença de povos ainda não contatados é verificada, as forças do estado não forçam uma aproximação, respeitando a organização social e a escolha desses grupos de permanecerem reclusos.

Isso porque o projeto de lei afirma que cabe ao Estado evitar ao máximo o contato com isolados “salvo para intermediar ação estatal de utilidade pública”. Entidades indígenas repudiam  Entidades indígenas repudiam  Entidades indígenas repudiam 

5. Quais são as outras mudanças no processo de demarcação de terras indígenas

Além de estabelecer o marco temporal, a proposta proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas.

Também passa a permitir que a União retome uma área já reservada caso haja “alteração dos traços culturais da comunidade”.

AliançA FM

 

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