Venezuela x Guiana: entenda impasse e como Brasil será afetado Em um referendo realizado neste domingo (3), os venezuelanos optaram pela
Venezuela x Guiana: entenda impasse e como Brasil será afetado
Em um referendo realizado neste domingo (3), os venezuelanos optaram pela criação de um novo estado na região de Essequibo, rejeitando a jurisdição da Corte Internacional de Justiça sobre a extensa disputa territorial do país com a vizinha Guiana. Mais de 95% dos eleitores concordaram com as cinco questões do governo, segundo a autoridade eleitoral local.
Embora a Venezuela tenha sido proibida de tomar qualquer ação que pudesse alterar as circunstâncias na região, o governo do presidente Nicolás Maduro avançou com um referendo “consultivo” de cinco perguntas.
A Venezuela tem a província de Essequibo, rica em petróleo, mas pertence à Guiana desde 1841. A área excede o estado do Ceará.
As maneiras pelas quais as autoridades venezuelanas pretendem realizar a anexação do território são incertas.
O presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Elvis Amoroso, informou que foram computados 10.554.320 votos no referendo, sem contar os votos que foram emitidos durante a extensão de duas horas da votação.
Foi “uma vitória óbvia e esmagadora para o ‘sim’”, disse Amoroso, legislador pró-governo e colaborador próximo de Maduro.
Maduro comemorou o resultado: “Trata-se de um referendo histórico que colocou a Venezuela de pé e agora é hora de recuperar o que os libertadores nos deixaram”.
O período de votação começou às 6h locais (7h, em Brasília) e duraria até as 18h, mas o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país decidiu prolongá-lo até as 20h, horário local (21h, em Brasília).
Foram chamados a votar 20,7 milhões de venezuelanos de uma população de quase 30 milhões.
Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, encorajou os eleitores venezuelanos a aprovarem o referendo de 5 perguntas. Já a Guiana considera que o referendo é um primeiro passo para a anexação do seu território.
“O primeiro efeito que a voz poderosa e unida da Venezuela deveria ter é sentar-se com o presidente da Guiana e voltar ao acordo de Genebra”, disse Maduro ao votar neste domingo, fazendo uma referência ao tratado firmado pelo Reino Unido e o país em 1966 que reconhecia a reivindicação da Venezuela e determinava que venezuelanos e guianenses formassem uma comissão para resolver a questão.
A origem do problema
Há mais de cem anos, a Venezuela e a Guiana têm disputado o território de Essequibo. Está sob controle da Guiana desde o final do século 19. A população de 125 mil pessoas vive nesta região, que representa 70% do território atual da Guiana.
A região na Venezuela é conhecida como Guiana Essequiba. Em 2015, foi encontrado petróleo neste local densa mata. Na Guiana, estima-se que existam 11 bilhões de barris, com a maioria localizada “offshore”, ou seja, no mar próximo ao Essequibo. Devido ao petróleo, a Guiana tem sido o país sul-americano com maior crescimento recente.
Tanto a Guiana quanto a Venezuela afirmam ter direito sobre o território com base em documentos internacionais:
- A Guiana afirma que é a proprietária do território porque existe um laudo de 1899, feito em Paris, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Na época, a Guiana era um território do Reino Unido.
- Já a Venezuela afirma que o território é dela porque assim consta em um acordo firmado em 1966 com o próprio Reino Unido, antes da independência de Guiana, no qual o laudo arbitral foi anulado e se estabeleceram bases para uma solução negociada.
O regime de Nicolás Maduro organizou um referendo a respeito da relação entre a Venezuela e o território de Essequibo. A consulta teve cinco perguntas:
- Você rejeita a fronteira atual?
- Você apoia o Acordo de Genebra de 1966?
- Você concorda com a posição da Venezuela de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça (veja mais sobre essa questão abaixo)?
- Você discorda de a Guiana usar uma região marítima sobre a qual não há limites estabelecidos?
- Você concorda com a criação do estado Guiana Essequiba e com a criação de um plano de atenção à população desse território que inclua a concessão de cidadania venezuelana, incorporando esse estado ao mapa do território venezuelano?
Questão mal resolvida
Esse plebiscito já está aprovado, pois os venezuelanos não vão votar contra. A questão é se a consequência disso será uma ação para a anexação de Essequibo ou não, afirma Ronaldo Carmona, professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra e pesquisador sênior do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
O petróleo na região agravou a disputa, porque a Venezuela argumenta que a Guiana está comercializando blocos que não são dela.
Por último, mas não menos importante, a situação política na Venezuela. Após anos de crise, o país espera uma recuperação econômica após a retirada das sanções. Um dos esforços dos Estados Unidos para acabar com as sanções é garantir que as eleições presidenciais de 2024 sejam limpas. Um clima de pré-campanha está ocorrendo na Venezuela. A questão de Essequibo, que tem sido um problema nacional da Venezuela por muitos séculos, atrai a atenção de todos, mesmo a oposição que se recusa a discutir o assunto.
“Nicolás Maduro, o presidente da Venezuela, não colocaria em risco a recuperação da economia que poderá ser alcançada com o fim das sanções à indústria petrolífera em função de que uma campanha militar que levaria a um confronto não só com Guiana, mas muito provavelmente com outras potências extraregionais, que poderiam levar ao retorno das sanções, anulando a possibilidade da recuperação econômica”, diz Carmona.
Guiana pediu ajuda para a Corte Internacional de Justiça
A Corte Internacional de Justiça decidiu na sexta-feira que a Venezuela não pode tentar anexar Essequibo e que isso vale para o referendo.
A Guiana havia pedido para que a corte tomasse uma medida de emergência para interromper a votação na Venezuela.
Em abril, a Corte Internacional de Justiça afirmou que tem legitimidade para tomar as decisões sobre a disputa. Esse órgão é a corte mais alta da Organização das Nações Unidas (ONU) para resolver disputadas entre Estados, mas não tem como fazer suas determinações serem cumpridas.
A decisão final sobre quem é o dono de Essequiba ainda pode demorar anos.
O governo venezuelano afirmou que a decisão constitui uma interferência em um assunto interno e viola a Constituição. Delcy Rodriguez, vice-presidente da Venezuela, afirmou que “nada vai impedir que o referendo agendado para o dia 3 de dezembro aconteça”. Além disso, ela afirmou que a presença da Venezuela na corte não significa que ela reconhece a jurisdição da Corte Internacional de Justiça sobre a disputa. Venezuela x Guiana: entenda impasse Venezuela x Guiana: entenda impasse
Governo brasileiro
A embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, declarou que o governo brasileiro está monitorando a situação com preocupação. Vocês se lembram da visita do embaixador Celso Amorim a Caracas para uma reunião com o governo, e também tivemos conversas com a Guiana. Temos sido acompanhados com atenção e tivemos uma conversa de alto nível.
Uma fonte que acompanha as conversas informou a Reuters que Amorim viajou a Caracas há uma semana a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), depois de uma avaliação brasileira de que a campanha venezuelana para a anexação do Essequibo teria aumentado demais o tom.
O governo brasileiro não pediu que o referendo venezuelano fosse cancelado, mas solicitou ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que diminuísse o tom da campanha e buscasse uma solução pacífica. Lula também recebeu um telefone do presidente da Guiana, Irfaan Ali, com quem também terá uma reunião bilateral na-feira sexta, às margens da COP28, em Dubai.
Há uma visão no governo brasileiro de que a Venezuela não chegará “às vias de fato”, apesar de mais de uma vez Maduro já ter ameaçado invadir o território da Guiana.
Na semana passada, durante reunião da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), em Brasília, os representantes dos dois países trocaram provocações e foi preciso a interferência de outros países para impedir uma escalada na discussão.
“Semana passada os dois países sentaram e devo dizer ali teve uma energia, uma linguagem um pouco mais elevada por parte da Venezuela, mas eles têm sentado sem qualquer problema na OTCA cooperando na questão da Amazônia sem qualquer problema”, disse a embaixadora.