Pesquisa financiada pelo governo federal descobre nos dados do SUS um morador paulista que tomou 21 mil doses na pandemia
Um estudo do projeto ModCovid19, formado por um pool de universidades do país e financiado pelo Instituto Serrrapilheira e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, encontrou 7,6 milhões de erros no cadastro de vacinados por covid-19 no Brasil.
Até sexta-feira (21), de acordo com dados oficiais do vacinômetro do Ministério da Saúde, abastecido pelos municípios, 55.960.152 pessoas haviam tomado ao menos uma dose de imunizantes contra a covid-19. O estudo reduz essa quantidade a 48.391.538, ou 7,57 milhão a menos (13,5% de diferença).De acordo com o professor Krerley Oliveira, coordenador do Laboratório de Estatística e Ciência dos Dados da UFAL (Universidada Federal de Alagoas), membro do ModCovid19 e do Observatório Covid BR, ocorreram inúmeros erros no cadastro ou na transferência de dados do sistema que não permitem considerar essas aplicações.
“Quando você olha os dados oficiais, há centenas de milhares de registros duplicados nos quais todos os dados do morador coincidem. E inúmeras outras incongruências, como segunda dose dada antes da primeira ou pacientes que se vacinaram contra a covid antes até de aparecer a pandemia”, diz o pesquisador.
Ele conta que os erros não se restringem a uma data específica, o que poderia ser justificado por um apagão ou problema técnico, e também não está concentrado em determinadas regiões do país. “Quando você olha para qualquer estado, você vê esses tipos de falhas, que deveriam ser ajustadas, mas não são e alteram a percepção real da vacinação no Brasil”, analisa.
O portal R7 procurou o Ministério da Saúde para comentar a diferença na quantidade de imunizados, mas não foi atendido até a publicação desta reportagem.
Um cidadão de São Paulo, por exemplo, tomou, segundo o DataSUS, 21 mil vezes a vacina contra a covid-19.
Oliveira diz que ele aparece em vários dias e municípios paulistas como imunizado. O ModCovid 19 não teve acesso ao nome do morador, sigiloso, apenas ao id (identificação) do Cadastro Único do SUS (Sistema Único de Saúde).
O R7 tambémbuscou a Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, mas ainda não recebeu resposta.
O projeto ModCovid, que tem entre seus parceiros pesquisadores da Ufal, USP (Universidade de São Paulo), Unicamp (Universidade de Campinas), UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e Impa (Instituto de Matemática Pura Aplicada), tem um painel de monitoramento da vacinação contra a covid-19 aberto ao público, com detalhes de cada município.
O painel foi desenvolvido pelo ICMC-USP (Instituto De Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo).
Há outros 768 registros de inúmeras aplicações em uma só pessoa. Uma delas foi vacinada 95 vezes durante a pandemia.
Cada vacinado tem preenchido no registro de vacinação 33 campos (nome, idade, sexo, endereço etc). Em 150 mil casos, os 33 eram iguais para duas ou mais aplicações que deveriam ser únicas (somente primeira ou apenas segunda dose).
Foram removidos da soma total também os habitantes que tiveram a dose complementar dada antes da primeira (27 mil ocorrências). E 593 mil que só receberam a segunda dose.
Com sexo ou data de nascimento diferente do mostrado no cadastro do SUS, aparecem 320 imunizados.
De acordo com a mesma base de dados, 251 brasileiros receberam imunizante contra a covid no país antes mesmo da abertura da campanha nacional, em 18 de janeiro de 2021. “Um deles tomou em 2 de junho de 1923, antes de existir vacina para a gripe espanhola [que surgiu em 1944]”, comenta Krerley Oliveira.
Seis mil pessoas constam ter nascido no século 19 e teriam, portanto, pelo menos 121 anos.
“Nosso objetivo não é apontar erros ou mostrar a velocidade da vacinação no país. Nosso intuito é o de fazer a população acompanhar os dados da vacinação, porque o cidadão comum não tem como lidar com esse imenso número de informações”, explicou o professor.
Oliveira explica que falhas no momento do cadastro único do SUS ajudam a entender boa parte dos erros, mas o problema vai além.
“Existem aí enganos e imprecisões dos municípios na hora de preencher a planilha do Ministério da Saúde, mas também do sistema em si, que tem falhas importantes e omissões, como a de não contemplar um campo para a terceira dose, por exemplo, que é uma possibilidade que vivemos com a covid-19”, afirmou.
Fonte: R7