Três ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) votaram nesta terça-feira (26) pelo arquivamento de duas ações que pedem a cassação da chapa que elegeu Jair Bolsonaro presidente e Hamilton Mourão vice. O julgamento foi suspenso e a sessão deve ser retomada nesta quinta-feira (28).
As ações acusam a chapa Bolsonaro-Mourão de realizar disparos em massa de mensagens em redes sociais durante a campanha eleitoral de 2018. O pedido de cassação dos mandatos foi feito pelos partidos da coligação “O Povo Feliz de Novo” (PT/PCdoB/Pros), derrotada em segundo turno.
As legendas apontam abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação diante de:
- contratação de empresas especializadas em marketing digital (por empresas apoiadoras de Jair Bolsonaro para disparos via Whatsapp contra o PT e seus candidatos, o que era vedado pela lei;
- uso fraudulento de nome e CPF de idosos para registrar chips de celular e garantir disparos em massa;
- uso de robôs para disparos em massa, inclusive com a montagem de uma estrutura piramidal de comunicação;
- compra irregular de cadastros de usuários;
- utilização indevida de perfis falsos para propaganda eleitoral, e doações de pessoas jurídicas.
O relator das ações, ministro e corregedor do TSE, Luís Felipe Salomão, afirmou em seu voto que houve o uso indevido do WhatsApp para atacar adversários, mas defendeu que a perda do mandato não pode ser decretada porque não há provas de que os disparos em massa foram decisivos para desequilibrar as eleições de 2018.
O ministro citou depoimentos e provas para defender que, desde 2017, pessoas próximas à Bolsonaro atuavam de modo permanente, amplo e constante na mobilização digital de eleitores, atacando a adversários políticos a candidatos e, recentemente, as instituições democráticas.
“Inúmeras provas de natureza documental e testemunhal corroboram a assertiva de que, no mínimo desde 2017, pessoas próximas ao hoje presidente da República atuavam de modo permanente, amplo e constante na mobilização digital de eleitores, tendo como modus operandi ataque a adversários políticos a candidatos e, mais recentemente, às próprias instituições democráticas. Essa mobilização que se pode aferir sem maiores dificuldade vem ocorrendo ao longo do ano em diversos meio digitais”, afirmou.
Para Salomão, o uso de disparo de mensagens em massa pode configurar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação, no entanto, é necessário comprovar que a ação desequilibrou as eleições (veja mais abaixo).
O voto do relator foi acompanhado pelo ministro Mauro Luiz Campbell Marques que afirmou que não há provas no processo que permitam condenar a chapa, pois não há comprovação de que Bolsonaro sabia dos disparos em massa e nem que a ferramenta foi utilizada de tal forma atrapalhar a eleição.
Marques ressaltou também que houve uma mudança no modo de se fazer campanha no país e que é possível verificar que o discurso de ódio tem sido usado.
“No Brasil, a propaganda eleitoral tradicionalmente é voltada a exaltação das qualidades pessoais do candidato e não raro a críticas aos seus adversários na disputa. Entretanto, tragicamente o rumo das propagandas tem apontado ainda mais ao sul. Não são poucos os candidatos que como eleito tem por foco suas campanhas de ataques generalizados aos demais candidatos as instituições e até mesmo a própria democracia nesse contexto o argumento para a obtenção do voto é o ódio distribuído. E na maioria das vezes sem nenhuma velocidade ou semelhança apática”, afirmou.
Campbell disse ainda que essa conduta foi praticada pela chapa Bolsonaro-Mourão. “Esse era o norte da campanha que se desenrolou nas redes sociais em favor da chapa investigada”, disse.
Assim, como os colegas, o ministro Sérgio Silveira Banhos também votou pelo arquivamento das ações. Ele disse que não está claro se o disparo de mensagens foi feito de modo ilícito.
Banhos afirmou que os elementos reunidos nos inquéritos do Supremo Tribunal Federal (STF) são graves, mas que não há conexão com os fatos investigados no TSE.
“Entendo que a conduta descrita na petição inicial [pedido de cassação] não foi comprovada, nem mesmo com as provas compartilhadas [pelo STF]. Deixo claro que os fatos desvelados no STF indicativos da estruturação de uma ampla e complexa rede de apoiadores, com finalidade de ataques a adversários políticos aparentam ser extremamente graves e podem ser avaliados a tempo e a modo. Ainda que se reconheça similitude, não vislumbrei por meio de provas robustas a conexão entre os fatos apurados no inquérito e o que foi narrado na inicial”, disse.
Voto do relator
Em seu voto, Salomão afirmou que “saltam aos olhos” as evidências de que a campanha de Bolsonaro-Mourão de 2018 priorizou o uso dos meios digitais com utilização indevida do WhatsApp para promover disparos em massa contra adversários.
“Evidências saltam aos olhos quando analisadas as provas como um todo, em sua integralidade. O conjunto probatório das duas ações, do meu modo de ver, não deixa margem para dúvidas no sentido de que a campanha dos vencedores das eleições assumiu caráter preponderantemente nos meios digitais mediante utilização indevida, dentre outros, do app de mensagens WhatsApp para promover disparos em massa em benefício de suas candidaturas, valendo-se de estrutura organizada e capilarizada composta por apoiadores e pessoas próximas ao primeiro representado”, disse o relator.
O ministro afirmou também que a campanha do presidente buscou a captação de votos pelo uso de tecnologia, o que não configura é crime. Mas, ponderou, que no momento em que as ferramentas foram usadas para minar candidaturas de adversários, a ação ganhou “contornos de ilicitude”.
“De fato, as provas dos autos demonstram que, ao menos desde o inicio da campanha, o foco residiu mesmo na mobilização e captação de votos mediante o uso de ferramentas tecnológicas, fosse na internet ou, mais especificamente, em redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas. Esse aspecto, embora por si não constitua qualquer ilegalidade, assumiu, a meu juízo, contornos de ilicitude, a partir do momento em que se promoveu o uso dessas ferramentas com o objetivo de minar indevidamente candidaturas adversárias, em especial a dos segundos colocados”, afirmou Salomão.
O relator disse ainda que há indícios de que Bolsonaro tinha conhecimento do uso irregular do WhatsApp.
“No que concerne à efetiva participação dos candidatos no ilícito, embora se façam presentes indícios de ciência pelo primeiro representado, hoje presidente da República, entendo que a falta de elementos mínimos quanto ao teor dos disparos em massa e à sua repercussão comprometem sobremaneira a análise desse fator”, disse Salomão.
O ministro propôs também que o plenário fixe uma tese estabelecendo que o uso de aplicativos de mensagens instantâneas “para realizar disparos em massa, promovendo desinformação, diretamente por candidato ou em seu benefício e em prejuízo de adversários políticos, pode configurar abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social”.
Ministério Público
O vice-procurador-geral Eleitoral, Paulo Gonet Branco, defendeu a rejeição das ações. Segundo ele, não foram apresentadas provas robustas para justificar a cassação da chapa.
O Ministério Público argumenta que não foi apresentado o número de eleitores eventualmente atingidos pelos disparos em massa, nem a repercussão deles entre o eleitorado a ponto de provocar o desequilíbrio do pleito de 2018.
“A gravidade deve ser aferida qualitativa e quantitativamente. A gravidade deve ser apreciada pelo grau de reprovabilidade da conduta e pela repercussão do ato no equilíbrio da disputa eleitoral. No caso dos autos, estes elementos continuam sem demonstração cabal”, disse Gonet Branco.
Em parecer divulgado no dia 14 de outubro, o Ministério Público Eleitoral já tinha se posicionado sobre as ações. Na manifestação, o vice-procurador-Geral Eleitoral afirmou que os elementos reunidos não apontavam que tenha havido “desequilíbrio” nas eleições a ponto de justificar a cassação da chapa.
Gonet Branco também informou que descartou as provas reunidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dois inquéritos sobre aliados e familiares do presidente Jair Bolsonaro.
O material foi enviado ao MP mas, na avaliação do procurador, não tem conexão com o caso. As provas estavam no inquérito das fake news e na investigação sobre atos antidemocráticos — que apontam para a existência de uma suposta milícia digital que teria atuado contra as instituições e a democracia.
Defesas
O advogado do PT, Eugênio Aragão, defendeu que as provas reunidas ao longo do processo justificam a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.
Segundo Aragão, a campanha de Bolsonaro foi “sustentada por uma engenhosa máquina de disseminação de mentiras”.
“As duas ações comprovam esse modo de agir da chapa do presidente na chapa de 2018 e, por isso, tem-se configurado o abuso do poder econômico e também dos meios de comunicação, capazes de impactar de maneira relevante esse pleito. A eleição foi calcada em mentiras e abusos e é isso que se pode concluir das presentes ações, conforme restou provado nos autos”, afirmou Aragão.
Aragão disse também que “houve orquestração na disseminação de fake news, com organização própria e custo elevado, que não foi declarado nos gastos oficiais da campanha e muitos podem ter tido origem vedada, de pessoa jurídica por exemplo”.
A advogada do presidente, Karina Kufa, afirmou que não há qualquer prova de irregularidades na campanha, nem de disparos em massas que tenham favorecido Bolsonaro.
“A autora não trouxe uma prova, um indício e também não demonstrou os caminhos de obter essa provas. A ausência de provas se dá pela inexistência dos fatos”, disse a advogada.
Kufa disse ainda que “os eleitores são seres humanos racionais capazes de avaliar o que estão vendo e lendo”. A advogada afirmou também que “estão querendo criminalizar a campanha mais barata e orgânica da história”.
A advogado do vice-presidente Hamilton Mourão, Karina Fidelis, pediu a rejeição das ações “levando em consideração que não houve qualquer comprovação de abuso de poder econômico e de meios de comunicação”.