No momento em que o Brasil vive um processo massivo de violação de direitos, um grupo de organizações da sociedade civil decidiu lançar um projeto para constituir uma rede de proteção a defensores e defensoras de direitos humanos em todo o país. O projeto Sementes de Proteção foi lançado nesta segunda-feira (6), durante uma entrevista coletiva virtual promovida por representantes das organizações autoras da iniciativa: Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) e a Fundação We World – GVC ONLUS (WW-GVC), em parceria com a União Europeia.
Essas organizações destacam que o Brasil é, hoje, o 4º país mais violento do mundo para quem atua junto à sociedade civil, segundo levantamento do relatório anual da Frontline Defender, realizado em 2019. A pesquisa aponta que as pessoas que trabalham em questões envolvendo disputas de terra, lutas ambientais, povos indígenas, direitos LGBTI, corrupção e impunidade estão entre as que mais sofrem ameaças que partem de setores privados e também do próprio Estado.
O Projeto Sementes de Proteção pretende trabalhar junto a organizações de 21 estados das cinco regiões brasileiras. São elas: Norte (Acre, Pará e Tocantins); Nordeste (Maranhão, Piauí, Ceará, Pernambuco Paraíba, Bahia, Sergipe e Rio Grande do Norte); Centro Oeste (Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo) Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná). A ideia é fortalecer a capacidade de atuação em rede para a defesa, promoção e proteção de militantes de direitos humanos de movimentos sociais e organizações da sociedade civil.
Coordenador geral do projeto e integrante da coordenação nacional do MNDH, Paulo César Carbonari, avalia que a eleição de governos autoritários e conservadores em vários países do mundo, incluindo o Brasil, vem provocando um desmonte de políticas públicas e de garantias de direitos, estimulando um ataque sistemático às pautas de direitos humanos e às pessoas que trabalham nesta área. “O projeto quer promover e desenvolver a proteção popular de defensores e defensoras de direitos humanos, como estratégias das lideranças, militantes e organizações fazerem a autoproteção, a proteção recíproca e a proteção solidária”, explicou Carbonari.
O projeto, acrescentou, não pretende substituir as políticas e programas públicos de proteção de pessoas ameaçadas, mas sim mobilizar a sociedade e aperfeiçoar as capacidades das organizações que atuam nesta área e que enfrentam hoje uma situação que é totalmente adversa. Carbonari citou o exemplo de lideranças indígenas que participaram recentemente da COP26, em Glasgow, Escócia, e que ainda não conseguiram voltar para suas casas ou conseguiram, mas estão sob ameaça.
“É importante lembrar que, no Brasil, ainda pesa sobre os defensores de direitos humanos a pecha de defensores de bandidos, terminologia que não surgiu do nada, mas foi sendo construída ao longo da década de 1970 e também na década de 1980, com o apoio de meios de comunicação inclusive. Essa construção não é um acaso e tem um ponto de origem”, assinalou o coordenador do projeto. Carbonari citou o caso recente de um vídeo que viralizou semana passada nas redes sociais, mostrando um homem sendo levado preso,correndo em uma estrada, amarrado a uma motocicleta. “A cena já é chocante em si, mas mais chocante ainda é ouvir o riso sarcástico de quem gravou a cena. Ele estava filmando a violência em ato e achou engraçado”, observou.
Galdene Santos, conselheira do MNDH e coordenadora-geral do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) de Serra, no Espírito Santo, destacou, por sua vez, a importância do projeto para construir uma estratégia nacional em defesa dos direitos humanos no Brasil. “Nossas organizações estão desafiadas a sair de suas caixinhas e criar uma estratégia nacional visando a proteção e a autoproteção da vida de defensoras e defensores de direitos humanos no país. Em tempos de ameaça à democracia, quem defende a democracia está com a vida ameaçada, ainda mais com o desmonte de políticas públicas nesta área”, assinalou.
O projeto pretende realizar vários tipos de atividades, em âmbito local, estadual e nacional, envolvendo oficinas para multiplicadores de atuação em rede, encontros nacionais, apoio financeiro a terceiros para ações protetivas emergenciais, solicitação de medidas cautelares em organismos nacionais e internacionais, intercâmbio internacional, caravanas, campanha de comunicação, incidência no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), acompanhamento do Ministério Público e Poder Judiciário, incidência no Congresso Nacional, monitoramento dos programas de proteção, relações com a ONU, participação no 4º Ciclo da Revisão Periódica Universal do Brasil, envio de informações e participação na OEA, incidência no Parlamento Europeu e Comissão Europeia, pesquisas sobre proteção de Direitos Humanos e mecanismos de responsabilização de empresas, sistematização de práticas, publicação anual de relatório da situação das defensoras e defensores de direitos humanos.
AliançA FM
Com informações de Marco Weissheimer – Sul21