Os relógios em Hiroshima marcavam 8h15 quando, na manhã de 6 de agosto de 1945, o avião Enola Gay, pilotado por Paul Tibbets (1915-2007), lançou uma bomba atômica sobre a província japonesa.
O artefato bélico, apelidado de “Little Boy”, explodiu no ar, a 600 metros do solo, e matou, segundo estimativas, cerca de 140 mil pessoas. Dezenove minutos depois, nascia, na cidade de Miyoshi, distante 57 km de Hiroshima, o pequeno Yoshinori Sakai (1945-2014).
Dezenove anos depois do ataque, no dia 10 de outubro de 1964, os 75 mil espectadores presentes no Estádio Nacional de Tóquio se emocionaram ao ver o atleta carregar a tocha na cerimônia de abertura dos Jogos. A homenagem ao jovem mundialmente conhecido como “Bebê de Hiroshima” mereceu aplausos inclusive do imperador japonês Hirohito (1901-1989), sentado na tribuna de honra.
“A edição de Tóquio 1964 foi uma grande demonstração da reconstrução de um país arruinado pela guerra. A festa começou com um sobrevivente da bomba atômica acendendo a pira olímpica. Isso por si só já diz ao mundo que, mesmo diante de toda e qualquer catástrofe, é possível fazer a vida seguir adiante”, afirma Kátia Rubio, coordenadora do Grupo de Estudos Olímpicos (GEO) da USP e autora do livro Atletas Olímpicos Brasileiros (2015).
Era a primeira vez que um país do continente asiático sediava o mais importante evento esportivo do planeta. A princípio, os Jogos Olímpicos de Tóquio seriam realizados em 1940, mas foram cancelados por causa da Segunda Guerra Mundial (1939-45).
Em 1959, quando foi escolhida cidade-sede dos Jogos de 1964, Tóquio derrotou Detroit, Bruxelas e Viena. O Japão sediou a mais cara Olimpíada até então: foram investidos US$ 3 bilhões na construção de modernos complexos esportivos e na melhoria do sistema de transporte, com a inauguração do Shinkansen, o primeiro trem-bala do mundo, no dia 1º de outubro de 1964, nove dias antes da abertura dos Jogos.
Transmissão via satélite
Era a primeira vez, também, que uma Olimpíada era transmitida ao vivo, graças ao satélite Syncom 3, para outros continentes. “Em Roma 1960, as competições eram filmadas em película e, em seguida, os rolos eram despachados em aviões para a Europa Ocidental e Estados Unidos. O público assistia às competições com um dia de atraso”, explica o jornalista e historiador Adalberto Leister Filho, coautor de 2016 Histórias que Fizeram 120 Anos de Olimpíadas (2016).
Entre outras inovações, o piso sintético substituiu o solo de carvão nas pistas de atletismo e a vara de bambu, mais flexível que a de madeira, cedeu lugar à vara de fibra de vidro nas provas de salto. Tem mais: pela primeira vez, foi adotada a cronometragem eletrônica em substituição à manual.
“Com o novo instrumento, foi possível certificar a medalha de bronze do nadador alemão Hans-Joachim Klein nos 100m livre”, explica o jornalista Marcelo Duarte, de O Guia dos Curiosos – Jogos Olímpicos (2004). “Ele foi um centésimo mais rápido que o americano Gary Ilman.”
Na 18ª edição dos Jogos, 5.151 atletas de 93 países disputaram 163 provas. Deste total, 4.473 eram homens e 678, mulheres. Duas das 25 modalidades foram disputadas pela primeira vez: o vôlei e o judô.
Das 7h às 15h30, as jogadoras da seleção feminina de vôlei trabalhavam em uma fábrica e, das 16h à meia-noite, treinavam saques, passes e cortadas. “O método de trabalho do treinador era um tanto draconiano. Hirofumi Daimatsu insultava as atletas e, por vezes, batia nelas. Hoje em dia, seria processado [no mínimo] por assédio moral”, observa Adalberto Leister Filho.
“Depois de conquistarem o ouro olímpico, as atletas do vôlei foram recompensadas pelo imperador, que as ajudou a encontrar namorados”, completa o jornalista Armando Freitas, coautor de Almanaque Olímpico (2008).
O número de participantes de Tóquio só não foi maior porque três países não participaram da competição: África do Sul, Indonésia e Coreia do Norte.
A África do Sul foi banida dos Jogos por 28 anos, 1964 a 1992, por causa do regime de segregação racial do Apartheid. Já Indonésia e Coreia do Norte foram impedidas porque, em 1963, participaram dos Jogos das Potências Emergentes, evento promovido pela Indonésia contra a vontade do Comitê Olímpico Internacional (COI), responsável pelos Jogos Olímpicos.
Terra de gigantes
Três atletas se destacaram em Tóquio: o maratonista etíope Abebe Bikila (1932-1973), o pugilista americano Joe Frazier (1944-2011) e a ginasta soviética Larisa Latynina, hoje com 86 anos.
Nos Jogos Olímpicos de 1960, Bikila chamou a atenção do mundo ao correr descalço pelas ruas de Roma. Em Tóquio, tornou-se o primeiro atleta a vencer duas maratonas olímpicas. “Dessa vez, usou tênis e meia”, diz o publicitário Marcos Abrucio, autor de Odisseia Olímpica: A História das Olimpíadas e Seus Heróis (2008).
“Apenas seis semanas antes da prova, ele tinha sido operado de apendicite”. Frazier conquistou o ouro olímpico lutando contra o pugilista alemão Hans Huber. Detalhe: o futuro campeão mundial de pesos-pesados entrou no ringue com o polegar esquerdo quebrado.
Um dos grandes nomes de Tóquio foi Larisa Latynina. Nascida na Ucrânia, a ginasta soviética ganhou, só em 1964, seis medalhas: dois ouros, duas pratas e dois bronzes. Ao longo de três Olimpíadas (Melbourne 1956, Roma 1960 e Tóquio 1964), totalizou 18 medalhas: nove de ouro, cinco de prata e quatro de bronze.
Seu recorde só foi quebrado 44 anos depois quando, em Pequim, Michael Phelps conquistou sua 19ª medalha de ouro. Em cinco edições dos Jogos (Sydney 2000, Atenas 2004, Pequim 2008, Londres 2012 e Rio 2016), o nadador americano colecionou 28 medalhas: 23 ouros, três pratas e dois bronzes.
A história da nadadora australiana Dawn Fraser, de 83 anos, é daquelas que seria cômica se não fosse trágica. Única nadadora a ganhar a mesma prova — os 100m livres — em três Jogos consecutivos (Melbourne 1956, Roma 1960 e Tóquio 1964), Fraser teve a infeliz ideia de roubar uma bandeira do Palácio Imperial de Tóquio para guardar de lembrança.
Resultado: foi presa em flagrante. “O imperador japonês livrou-a da cadeia e deu-lhe a bandeira de presente”, relata Armando Freitas. Condenada a dez anos de suspensão, encerrou sua carreira em 1965.
Heroína solitária
Terminados os Jogos, os soviéticos somaram mais medalhas que os americanos: 96 contra 90. Mas, contabilizadas só as de ouro, os americanos levaram a melhor: 36 contra 30. No pódio dos mais premiados, o Japão ficou com o terceiro lugar: 29 medalhas – 16 de ouro, 5 de prata e 8 de bronze.
Na classificação geral, o Brasil terminou em 35º, empatado com Gana, Irlanda, Quênia, México, Nigéria e Uruguai. A delegação brasileira conseguiu uma única medalha de bronze. Na disputa pelo terceiro lugar, a seleção masculina de basquete venceu Porto Rico por 76 a 60.
Naquele ano, o Brasil mandou 68 atletas para Tóquio. A única mulher da delegação era a carioca Aída dos Santos, então com 27 anos. Primeira atleta do país a disputar uma final olímpica, terminou a prova de salto em altura em quarto lugar, com a marca de 1,74 m.
“Por 44 anos, foi o melhor desempenho de uma brasileira no atletismo”, destaca Adalberto Leister Filho. “Só foi superado em Pequim pela Maurren Maggi no salto em distância [quando ganhou uma medalha de ouro]”.
Mesmo assim, Aída não guarda boas recordações de Tóquio. Durante a competição, não teve técnico, massagista ou intérprete. No hotel, só conseguiu preencher a data de nascimento na ficha de inscrição porque o funcionário cantarolou um trecho de “Parabéns Pra Você”.
Na Vila Olímpica, recorria a mímicas para se comunicar com atletas de outros países. Não bastasse, ainda tinha que aturar o sarcasmo de atletas e dirigentes brasileiros: “E aí, turista, tá gostando do passeio?”, perguntavam, aos risos. “Vou mostrar a vocês quem é a turista aqui!”, respondia, baixinho.
A tristeza era tanta que, quando terminou de disputar suas provas, não quis nem esperar pela cerimônia de encerramento. “Aquilo lá foi um sofrimento só”, resume a ex-atleta, hoje com 83 anos.
“Eu me sentia invisível, sabe? Não tive apoio de ninguém. Na semana da competição, nem tênis para saltar eu tinha. Torci o pé e não tinha médico. Fui socorrida por um da delegação cubana. Eu só fazia chorar. ‘O que estou fazendo aqui?’, vivia me perguntando. Se eu não fosse ‘raçuda’ e gostasse de desafios, teria desistido há muito tempo.”
Fonte: G1