Marinho critica Guedes a investidores, e ministro da Economia chama colega de desleal, despreparado e fura-teto

Um encontro do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, nesta sexta-feira (2), com analistas e economistas, repercutiu no mercado por causa de seu conteúdo contundente contra o ministro da Economia, Paulo Guedes, e a favor do Renda Cidadã.
O debate que se instalou na sequência reforçou a leitura de que o teto de gastos pode ser descumprido na gestão do presidente Jair Bolsonaro, elevando a percepção de risco em relação ao Brasil e afetando negativamente indicadores financeiros.
Segundo relatos, Marinho criticou Guedes ao dizer que ele é um grande vendedor, muito bom na macroeconomia, mas fraco em questões microeconômicas, listando as áreas tributária, previdenciária e a contabilidade pública.
Em relação à versão divulgada por parte da imprensa de que o uso de recursos da educação e de precatórios para financiar o novo programa seria uma ideia de Marinho, o ministro do Desenvolvimento Regional disse aos investidores que a proposta foi de Guedes, e que tem testemunhas disso.
O evento foi promovido pela Ativa Investimentos. Segundo a assessoria da corretora, a conversa foi fechada, voltada a clientes, e não foi divulgada ao público.
No encontro, ainda segundo relatos, Marinho disse que o programa Renda Cidadã, possível substituto do Bolsa Família, vai sair, resta saber se será da melhor maneira ou da pior -o que foi interpretado como uma disposição do governo de violar a regra do teto de gastos.
Marinho, contam participantes do evento, afirmou ainda que cabe ao governo apontar os caminhos para viabilizar o programa, embora não haja no momento algo que se possa chamar de proposta oficial, segundo o ministro.
Ao tomar conhecimentos dos comentários, Guedes rebateu as críticas, chamando o colega de despreparado, desleal e fura-teto.
A assessoria do ministro Marinho divulgou nota negando que ele tenha desqualificado “agentes públicos” ou propostas já apresentadas e destacando que a solução do governo para as famílias que dependem de auxílio respeitará as âncoras fiscais.
No entanto, em meio a troca de farpas dos ministros, a equipe de analistas políticos da XP Investimentos divulgou nota aos clientes confirmando as declarações de Marinho. Nessa nota, afirma que fontes do governo relataram à corretora que Bolsonaro concordou com a fala de Marinho de que o Renda Cidadã sairá de qualquer forma, mesmo que signifique uma flexibilização do teto.
Ainda de acordo com a XP, na reunião entre o ministro e o presidente de quinta (1º), Marinho teria dito ao presidente que daria o recado ao mercado em evento nesta sexta.
A desavença no alto escalão do governo e o aumento na percepção de risco fiscal repercutiu nos indicadores financeiros. A Bolsa, que já vinha mal influenciada pelo cenário externo mais pessimista, acentuou a queda e fechou com retração de 1,5%. Os juros futuros de cinco anos dispararam e se aproximam de 7%.
Segundo os mesmos relatos sobre o encontro na corretora, Marinho, que já teve várias desavenças com Guedes desde que deixou seu cargo no ministério da economia para assumir o Desenvolvimento Regional, declarou ainda que Guedes surpreendeu negativamente a ele e também a alguns parlamentares com quem tem discutido a pauta de reformas.

Os comentários são que Marinho disse também que Guedes é muito ruim de narrativa, se referindo ao vazamento de informações preliminares sobre o novo programa de transferência de renda que pode substituir o Bolsa Família, e questionou quem irá agora confiar no ministro da Economia após uma série de anúncios e mudanças de planos depois de reações negativas até do próprio presidente da República.
Guedes reagiu ao ser perguntado sobre o tema, na tarde desta sexta.
“Eu não acredito que ele tenha falado mal de mim. Se ele está falando mal, tem três coisas. É despreparado, é desleal e é um fura-teto. Está confirmando que é fura-teto. Então espero que não tenha falado nada de mal”, disse.
Guedes também comentou os comentários que Marinho teria feito sinalizando aos investidores uma disposição para furar o teto de gastos.
“Uma coisa é você furar o teto porque você está salvando vidas em ano de pandemia, e isso ninguém pode ter dúvidas. Se a pandemia recrudescer e voltar em uma segunda onda, aí sim nós decisivamente vamos fazer algo a respeito. E aí sim, é o caso de você furar o teto”, declarou Guedes.
“Agora, você furar teto para fazer política, para ganhar eleição, para garantir, isso é irresponsável com as futuras gerações. Isso é mergulhar o Brasil no passado triste, de inflação alta”, prosseguiu o ministro da Economia.
Ele foi perguntado sobre uma frase específica de Marinho, que teria afirmado que o programa social vai sair da “melhor ou pior maneira”.
“Isso é uma opinião dele. Ele deve estar mais informado do que eu. Como não entendo nada de política, ele deve saber. O que eu digo é que temos o compromisso de manter o teto”, disse Guedes.
Sem citar diretamente o nome de Marinho, Guedes disse ainda que liberou recursos para a saúde, mas não vai liberar “para alguém que quer ficar famoso”.De acordo com o ministro, é difícil discutir medidas de corte de gastos para criar o programa social ou ações de substituição de impostos às vésperas de uma eleição.
“A política cria uma inimizade que na hora da eleição é válido. É para quebrar o pau agora porque está chegando a eleição? É válido. Mas aí vamos tirar a parte técnica”, afirmou, dizendo não estar interessado em briga.
Ao longo do dia, em Brasília, Guedes já vinha criticando Marinho a interlocutores. Segundo relatos feitos à Folha de S.Paulo, o ministro usou a palavra “picareta” para dizer que o ministro do Desenvolvimento tenta surfar na popularidade de Bolsonaro e no novo programa social, com intenção de ser candidato ao Senado ou ao governo do Rio Grande do Norte.
Ainda segundo uma fonte que esteve com o ministro no início da tarde, Guedes afirmou que uma parte do governo está trabalhando para ajustar a economia do país, enquanto Marinho sugere furar o teto de gastos, no que classificou aos colegas como um “surto populista”.
A briga entre Marinho e Guedes veio a público em abril, quando o governo começava a discutir medidas para a retomada da economia após a pandemia do novo coronavírus.
Marinho defende uma ampliação dos gastos do governo com obras para estimular o emprego e a atividade.
Para emplacar sua visão, foi a campo influenciar inclusive a ala militar do governo. Em meio às discussões, ministros do Palácio do Planalto criaram a iniciativa do plano Pró-Brasil, que contava originalmente com investimentos públicos maciços.
Desde aquela época, Guedes discordou da solução e a comparou ao “PAC da Dilma”. O ministro afirma que usar recursos públicos é cavar um buraco ainda mais baixo em relação àquele em que o país já estaria. Em vez disso, ele aposta na retomada por meio de estímulos ao setor privado e aprovação de reformas. Para ele, não há margem para ampliar despesas públicas e o teto de gastos precisa ser cumprido.
Ainda em abril, Marinho negou à Folha estar distante de Guedes. “Só se ele estiver de mim. Eu não”, afirmou. Mas reconheceu possíveis desacordos. “Se existirem divergências, elas são de visões de Estado, ou algo parecido. Nada pessoal”, disse.
A irritação de Guedes com Marinho ocorre porque, conhecedor da situação orçamentária e fiscal por tocar a reforma da Previdência, Guedes afirma que o colega não poderia ter apresentado um plano bilionário com dinheiro novo. Marinho foi secretário especial de Guedes e comandou as mudanças em aposentadorias e pensões.
Há menos de um mês, em meio a novos atritos, o ministro da Economia disse, sem mencionar nomes, que o presidente Jair Bolsonaro poderia parar na “zona sombria” do impeachment de ouvisse conselheiros que defendem o descumprimento do teto.
“Os conselheiros do presidente que estão aconselhando a pular a cerca e furar teto vão levar o presidente para uma zona de incerteza, para uma zona sombria. Para uma zona de impeachment, para uma zona de irresponsabilidade fiscal, e o presidente sabe disso”, disse na ocasião.
Guedes teve uma escalada de atritos com membros do governo e do Congresso nesta semana. Na quarta-feira (30), trocou farpas com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmando que ele impedia o andamento de privatizações. “Paulo Guedes está desequilibrado. Recomendo ao ministro assistir o filme ‘A Queda'”, rebateu Maia.
Ainda na quarta-feira, o ministro criticou a proposta que havia sido anunciada por aliados do governo na segunda-feira, ao lado do presidente da República e dele próprio, de limitar o pagamento de precatórios para bancar o Renda Cidadã. A proposta foi criticada no mercado, fazendo a bolsa cair, o dólar subir e os juros de mercado aumentarem. Depois da repercussão, Guedes chamou a proposta de “puxadinho” e falou que o governo não faria isso, gerando uma saia-justa entre as lideranças políticas.

LEIA A ÍNTE​GRA DO COMUNICADO DO MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL
“O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, vem a público esclarecer as informações sobre a reunião realizada com pequeno grupo de economistas, na manhã desta sexta-feira, em São Paulo, e que chegaram a imprensa de maneira distorcida. A reunião teve o intuito de reforçar o compromisso do governo com a austeridade nos gastos e a política fiscal. Em sua fala, Rogério Marinho destacou que o governo reconhece a necessidade de construção de uma solução para as famílias que hoje dependem da auxílio emergencial e que essa solução será resultado de um amplo debate com o parlamento, em respeito à sociedade e às âncoras fiscais que regem a atuação do governo.
O debate das últimas semanas e o árduo processo estabelecido para a construção de uma proposta que garanta a segurança alimentar das pessoas mais fragilizadas é uma demonstração do amadurecimento e consolidação das instituições brasileiras que defendem a disciplina fiscal e a saúde econômica do país, preservando as contas públicas e o teto dos gastos. O próprio fato de a inclusão do Renda Cidadã no orçamento exigir um debate de tal magnitude e um trabalho de grande complexidade, mostra como evoluímos de forma salutar na adoção de salvaguardas para manutenção do equilíbrio fiscal.
Não foram feitas desqualificações ou adjetivações de qualquer natureza contra agentes públicos, nem tampouco às propostas já apresentadas. Quem dissemina informações falsas como essas tem claro interesse em especular no mercado, gerando instabilidade e apostando contra o Brasil.”

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