Uma resenha qualquer, num site qualquer, poderia dizer o seguinte sobre um produto: “É genial. O produto X mudou a minha vida”, o autor poderia ser qualquer um. E você, prestes a fechar a compra, vê esse comentário e decide gastar o seu suado dinheiro. Mas essa pessoa pode simplesmente não existir. No mundo das reviews falsas, ele pode ser mais uma criação de uma agência digital. Não há pouca gente pela web escrevendo comentários falsos. Agora, isso começou a chamar a atenção das autoridades, pelo menos nos Estados Unidos.
A advocacia-geral de Nova York deu o primeiro passo no combate à prática. A promotoria criou uma falsa empresa de iogurtes e se passou por cliente de agências digitais que ofereciam reviews sempre positivos. Durante um ano foi descobrindo que escritores freelancers de países como Filipinas e Bangladesh produzem os textos. Os clientes desses serviços também foram identificados. Entre os negócios otimamente “avaliados” por internautas inexistentes havia produtos de clareamento dentário, uma rede de depilação, dentistas e escritórios de advocacia. “Os consumidores acreditam muito nos comentários de outros consumidores para comprar. A investigação dessa fraude em grande escala mostra que devemos olhar para as reviews online com cuidado. É a versão do século 21 da publicidade enganosa”, disse em comunicado à imprensa o advogado-geral do estado Eric T. Schneiderman. A investigação puniu 19 empresas e aplicou US$ 350 mil em multas.
Esse problema é maior do que parece. Estimativa do instituto Gartner aponta que, até o final de 2014, 15% de todas as avaliações publicadas na internet serão falsas. Outras estimativas são menos conservadoras, colocando o total em 30%. O impacto pode ser grande: pesquisa da Dimensional Research mostrou que 90% dos entrevistados são influenciados por um comentário positivo de outro internauta. Os negativos têm impacto em 86% dos pesquisados.
“É difícil estimar com exatidão, mas acredito que o Gartner subestimou o problema. A situação é muito ruim”, resume Bing Liu, professor de ciência da computação na Universidade de Illinois. Ele está desenvolvendo um algoritmo para ajudar empresas a descobrir resenhas falsas e acredita que o consumidor não consegue identificar o que é verdadeiro. “Vai ser preciso uma combinação da utilização de algoritmos de detecção com ação dos agentes da lei para controlar isso”, acrescenta.
Uma história recente do Yelp dá a dimensão do problema. Um dos maiores sites de avaliações de empresas e serviços do mundo, com restaurantes e prestadores de serviços locais, a empresa declarou que 25% das avaliações que recebe diariamente são limadas pelo seu algoritmo por serem falsas. O brasileiro Kekanto informou a GALILEU que o seu algoritmo filtra 7% das reviews como pura ficção.
Para entender o poder dessas invenções, basta ver o restaurante inglês Oscar Parrot, em Brixham. Com cinco estrelas no TripAdvisor e resenhas chamando a comida de “feitiço”, o estabelecimento atraiu aficionados por comida, sedentos para experimentar a maravilha desconhecida. Em julho, quando algumas pessoas acharam um beco vazio em vez de frutos do mar, revelou-se que tudo não passava de uma brincadeira, armada por um comerciante irritado com as resenhas negativas sobre seu comércio.
CONFIE EM MIM
Essa prática começa a aparecer no Brasil. Augusta (nome fictício), especialista em mídias sociais, diz que as agências digitais passaram a oferecer reviews falsos. “Tem um caso típico. Uma agência estava melhorando a reputação de uma escola de inglês pelo Yahoo Respostas. A estratégia era fazer perguntas com um perfil falso: se era boa, se valia a pena etc. A resposta vinha com outros perfis falsos que elogiavam a escola”, conta. “É um mercado mais recente que não tem o mesmo tipo de fiscalização que a política”, acrescenta. Segundo ela, as agências estão cada vez mais profissionalizadas e contratam freelancers e variam os endereços de IP e os textos para não serem descobertos. Cada avaliação custa R$ 7.
Na outra ponta, o problema parece não ter atingido os compradores. “Ainda não tivemos nenhuma reclamação dos consumidores. Até porque é difícil constatar quando se trata de um review manipulado”, afirma Renan Ferraciolli, assessor-chefe do Procon de São Paulo. O Ministério Público diz que ainda não fez análises sobre essas avaliações. Isso não significa, contudo, que os envolvidos não possam ser punidos pela lei brasileira. “Os reviews falsos podem configurar oferta ou publicidade enganosas pelo código do consumidor. E há também a questão da fraude. Se a finalidade for a obtenção de vantagem ilícita em prejuízo do consumidor, pode, a princípio, tipificar o crime de estelionato”, disse Gilberto Nonaka, promotor de Justiça do Consumidor do MP, em entrevista por e-mail.
Outra consequência preocupante é uma crise de credibilidade dos estabelecimentos, avalia Fernando Okumura, CEO do Kekanto. Mas ele é otimista: “A abundância de informação e a transparência que a internet traz é muito positiva. Por mais que uma agência queira promover um produto e um serviço, eles não têm como competir com a população. Se o serviço for ruim, vai haver comentários não pagos e uma hora isso vai aparecer”, acrescenta.
Nova York começou a batalha contra os reviews falsos, mas a guerra deve ser longa.
A CIÊNCIA DA MENTIRA
Estudos medem o impacto das resenhas falsas
Um estudo de 2011 da Universidade Cornell mostrou que as chances de uma avaliação falsa ser aceita como verdadeira é grande. Foi criada uma base com 800 avaliações sobre hotéis em Chicago, metade real, metade inventada. O índice de acerto foi ao redor de 50%. A Harvard Business School abordou o assunto por outro lado em 2013. Analisando o Yelp americano e os reviews falsos identificados pelo algoritmo da empresa, a equipe buscou o contexto da criação das fraudes. Conclusão: os lugares mais sujeitos a comprar resenhas falsas são os com reputação fraca e muitos concorrentes na vizinhança — uma estrela a mais no Yelp garante aumento de até 9% no faturamento.
GALILEU.