Sem empatia, sobra intolerância, bullying, violência. Sem gastar um segundo imaginando como o outro se sente, de onde vem, em qual contexto foi criado, ao que foi exposto, sem se lembrar que cada um tem sua história e sem tentar entender como é estar na pele do outro, surgem os crimes de ódio, as discussões acaloradas nas redes sociais, o fim de amizades de uma vida toda. É preciso ter empatia para aprender que não existe verdade absoluta, que tudo depende do ponto de vista.
Segundo uma pesquisa da Universidade Estadual de Michigan, nos Estados Unidos, o Brasil não é dos países mais empáticos do mundo. Sim, somos conhecidos pela alegria e pela hospitalidade, mas quando falamos em se colocar no lugar do outro e tentar entender o que ele sente, ainda estamos muito longe do ideal. O estudo analisou respostas de um questionário aplicado em 61 países, com 104 mil pessoas, que tentava medir compaixão e empatia em situações hipotéticas. O Brasil ficou em 51º na lista, atrás de países como o Equador, Arábia Saudita, Peru, Dinamarca e Emirados Árabes, por exemplo. Mas o problema do egocentrismo e da falta de amor ao próximo não é exclusivo dos brasileiros. É uma preocupação mundial.
Afinal, o que é?
A empatia é, em termos simples, a habilidade de se colocar no lugar do outro. Por exemplo, se você, leitor, escuta uma história sobre uma criança que teve muitos problemas de saúde, que vem de uma família muito pobre, e se comove, é possível ter dois tipos de emoção: o dó, que é a simpatia; ou se colocar no lugar daquela criança, imaginar o que ela passou e tentar entender o que ela sentia, enxergar o panorama a partir dos olhos dela. “É ser sensível a ponto de compreender emoções e sentimentos de outras pessoas”, explica Rodrigo Scaranari, presidente da Sociedade Brasileira de Inteligência Emocional.
E é uma característica que pode, sim, ser aprendida ou, pelo menos, treinada. Para Rodrigo, o exercício passa pelo autoconhecimento: para compreender a emoção do outro, é preciso conhecer e entender o que se passa dentro da própria cabeça. “Assim como podemos treinar os bíceps na academia, e ficar mais fortes, podemos ser cada vez mais empáticos com a prática. A plasticidade do cérebro torna isso possível”, explica a professora Anita Nowak, pesquisadora da empatia e diretora da Área de Iniciativas Sociais e Econômicas da Universidade McGill, em Montreal.
Mas por que nos colocamos no lugar do outro? Para o psicólogo, psicanalista e professor João Ângelo Fantini, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a empatia seria “uma forma de restabelecer um contato com um objeto de amor perdido, uma parte incompreendida do sujeito”. Enxergamos no outro uma humanidade compartilhada, sentimentos que também temos e que são aplicados em situações completamente diferentes. Por reconhecermos nós mesmos no próximo, temos empatia.
Tal sentimento é uma via de mão dupla: beneficia também o emissor. “A empatia é, sem dúvida nenhuma, uma das habilidades mais importantes para que se tenha uma boa convivência social, interferindo diretamente tanto no sucesso pessoal como no profissional. Ao entender melhor as emoções e as necessidades de cada um, temos menos dificuldades para lidar com eventuais conflitos pessoais em qualquer ambiente ou situação”, afirma Rodrigo.
No caso do acidente com o avião da Chapecoense, por exemplo, por que a mobilização foi tão grande? Por que sofremos tanto? “A morte é uma das mais fortes possibilidades de desenvolver empatia, pois estabelece um contato direto da dor do outro com a nossa: também vamos morrer, então nos tornamos solidários”, explica João Ângelo Fantini. “Acredito que, no caso da queda do avião, eram pessoas jovens, com sonhos a realizar, mas que foram bruscamente ceifados das suas possibilidades. Esta narrativa, no meu entender, reproduz de forma geral a história pessoal de grande parte das pessoas: nascemos sem saber nada, sonhamos um futuro, tentamos nos preparar para ele e, na maioria das vezes, temos que nos conformar com um futuro que não é o que esperávamos.”
De uma forma ou de outra, enxergamos nos jogadores da Chapecoense algo que poderia ter acontecido com qualquer um. João Ângelo lembra também dos colombianos, que surpreenderam os brasileiros com demonstrações de empatia e simpatia — eles sofreram como se a perda fosse deles também. “Isto parece um bom exemplo de como o inconsciente trabalha mais em nossas emoções e no comportamentos do que imagina nossa pretensa lógica. Parece-me que a própria ideia de que a empatia ficou ‘no passado’ explica o processo da empatia, pois nos tornamos empáticos somente a algo que representa aquilo que foi perdido em nós mesmos. Um sentimento, que embora nos pareça em falta, nunca terá fim.”
A chave da paz
Para a pesquisadora Anita Nowak, da Universidade McGill, é a empatia a chave para a sobrevivência da raça humana. Em tempos tão intolerantes, o exercício de se colocar no lugar do outro evitaria maiores problemas. “Infelizmente, como seres humanos cheios de falhas, nossa tendência é empatizar com pessoas parecidas conosco. Assim, desconhecidos em outras situações inspirariam menos empatia. É algo que deve ser superado se quisermos nos libertar da mentalidade “nós contra eles”, muito presente na sociedade hoje. Esse tipo de pensamento está por trás de cada grande guerra e cada pequena disputa. Se aprendemos a empatizar melhor uns com os outros, poderíamos conseguir a paz”, afirma. Anita conta que é preciso agir — só sentir empatia não é suficiente.
O filósofo e pesquisador australiano Roman Krznaric, fundador do Museu da Empatia e da Biblioteca da Empatia (veja box), explica no ensaio O efeito da empatia que, atualmente, as pessoas estão muito focadas em problemas individuais. “A mensagem principal desta pesquisa é que nós precisamos instigar uma mudança cultural do ‘comprar’ para ‘pertencer’ — de valores extrínsecos para intrínsecos —, de modo que a identidade e o bem-estar sejam baseados mais na qualidade dos relacionamentos e no senso de pertencimento a uma comunidade do que no tamanho da nossa conta bancária ou nas ofertas de um lifestyle de luxo”, afirma Roman. Segundo o filósofo, é preciso fazer uma “revolução da empatia”.
AliançA FM
Com informações de Rodrigo Scaranari — Sociedade Brasileira de Inteligência Emocional.