Economia: Alimentação fica mais barata
O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) registrou mais uma queda relevante em junho. O indicador caiu 1,93% no mês, e acumula recuo de 6,86% na janela de 12 meses, conforme apurou o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre).
Desde abril deste ano o indicador vem registrando deflação na comparação anual. Mas o cidadão comum não tem percebido essa redução dos preços no dia a dia.
E o motivo é simples: a cesta de componentes que mais influenciam esse índice de inflação é dominada por preços ao produtor, que demoram — ou, às vezes, nem chegam — ao comprador na ponta. É o caso de produtos primários, como milho, soja, trigo, minérios, petróleo e outras commodities.
A conclusão é de que o índice influencia no nosso dia a dia, mas de forma indireta.
Quando os preços entre produtores começam a se reduzir, uma porção de produtos derivados começa a baixar. Imagine a seguinte sequência de formação de preços:
- Os preços da soja caem no mercado internacional;
- Passam a cair também os preços da ração animal;
- Os preços de produção para criadores de animais também caem;
- Caem os preços de derivados, como a carne bovina, leite, couro etc.
O economista André Braz, coordenador dos índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre), explica que essa transferência é lenta, mas já pode ser percebida em uma cesta ampla de produtos.
“O IPA, que é boa parte do IGP-M, mede a inflação na porta da fábrica e no campo. Ele antecipa pressões inflacionárias que o consumidor vai perceber depois”, diz o economista.
Um bom exemplo é a alimentação. O repasse é mais veloz porque o setor de supermercados é um dos poucos que não sofreu um grande choque com a pandemia. Como a procura por alimentos teve persistência, os empresários puderam manter as margens e não criar endividamentos.
Agora, com as contas no lugar, podem manter o faturamento sem a necessidade de segurar os preços para recompor as contas. Assim, se o preço ao produtor de alimentos cai, o valor pago pelo consumidor é reajustado mais rapidamente.
Quando a cadeia é mais longa, com setores que tiveram que apertar os cintos durante a pandemia, esse ajuste fica mais devagar. O empresário segura a diminuição de custos para recompor as contas. Só com as margens garantidas, ele passa a diminuir valores ao consumidor.
Não era a ‘inflação do aluguel’?
De fato, o IGP-M ficou conhecido popularmente no país como “inflação do aluguel”, porque esteve presente em boa parte dos contratos entre inquilinos e locatários no país. Mas a verdade é que sempre fez pouco sentido usar o indicador no reajuste desses contratos, pois sofre muita influência de produtos que pouco têm a ver com a atividade.
A pandemia de Covid-19 foi um exemplo perfeito de como o aluguel e o IGP-M estão distantes. Em resumo, aconteceu o seguinte:
- A maior parte do IGP-M é ajustada por preços de produtos no atacado, em que predominam preços de commodities no mercado internacional;
- A “temperatura” do atacado é medida pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que representa cerca de 60% do IGP-M. Na cesta do IPA estão produtos como minério de ferro, arroz, trigo e soja;
- São muitas commodities na cesta, que são produtos cotados em dólar;
- Durante a pandemia, o dólar alto, os entraves nas cadeias globais de produção e o estouro nos preços levaram o IGP-M às alturas;
- Agora, acontece o efeito inverso: a normalização das cadeias, a redução de demanda por commodities (tendo em vista a possibilidade de recessão em economias desenvolvidas) e enfraquecimento do dólar fizeram o índice encolher.
Quando o IGP-M acelerou por fatores de mercado, a renda média da população estava abalada pela crise. Nos piores momentos da crise sanitária, o IGP-M teve alta de quase 40% na janela de 12 meses.
Quem tinha contratos de aluguel reajustados pelo IGP-M teve que recorrer à livre negociação com o proprietário. Os últimos meses como o IGP-M não tem influenciado os preços de locação de imóveis, e, em muitos casos, foi substituído pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Para o consumidor, então, o IGP-M ainda é relevante nos reajustes de contratos entre produtores, especialmente os que negociam produtos primários ou cotados em dólar. Novamente: é um efeito indireto e que demora a ser percebido. Economia: Alimentação fica Economia: Alimentação fica
O IGP-M vai continuar a cair?
Segundo André Braz, do FGV-Ibre, é cedo para dizer se a queda vai ser tão intensa quanto os aumentos registrados durante a pandemia. Mas o espaço para reduções continua:
- o Brasil teve a safra recorde de grãos neste primeiro semestre;
- houve uma valorização importante do real nos últimos meses;
- e seguimos com a perspectiva de uma desaceleração da atividade econômica mundial, o que reduz o preço de commodities.
O economista explica ainda que, apesar de uma expectativa de queda de juros no Brasil, o momento nas economias desenvolvidas ainda é de aperto monetário. Ou seja, mesmo que a atividade econômica ganhe alguma tração por aqui com juros mais baixos, o mercado externo não deve acompanhar o impulso.
“Além da pandemia, tivemos crise hídrica que afeta as safras e a guerra na Ucrânia. Foram três anos de aumento intenso e que ainda não foram compensados pela queda recente”, diz Braz.
Segundo Luíza Benamor, economista e analista de inflação da Tendências Consultoria, o IGP-M apresenta um “descasamento” natural com o IPCA pelas camadas da cadeia de produção, e a redução de preços estão concentradas em matérias-primas brutas.
“A inflação de preços ao produtor em bens finais, que é depois de adicionar todos esses cursos, ainda há uma alta no ano”, diz a economista.
Para Benamor, a disparidade entre o IPCA e IGP-M deve continuar grande até o fim do ano. E a tendência é de que o IGP-M volte a acelerar. (com informações G1)