Áreas que queimaram em 2019, na ação coordenada de fazendeiros e desmatadores, estão hoje destruídas e algumas ocupadas por gado, mostrando que no Brasil o crime compensa
Em agosto de 2019, enquanto a Amazônia enfrentava números recordes de queimadas, um grupo de fazendeiros do Pará decidiu organizar uma manifestação criminosa em apoio às políticas de desmonte ambiental do Brasil: o Dia do Fogo. E os números, que já eram ruins, chegaram a níveis estratosféricos naquele mês.
Nesta nova denúncia, mostramos que, um ano depois desta ação coordenada, a impunidade reina absoluta e as áreas que foram queimadas no ano passado já se encontram com desmatamento consolidado e gado, muito gado. O caso reforça a ligação íntima entre o fogo na Amazônia e o ciclo do desmatamento, onde o objetivo principal é sempre a mudança do uso do solo e a destruição da floresta.
Mesmo sendo possível identificar um grande número de responsáveis, apenas 5% dos envolvidos na queima de florestas tiveram áreas embargadas, outros continuam produzindo a pleno vapor
Durante os dias 10 e 11 de agosto de 2019, aconteceu no Pará o que ficou conhecido como “Dia do Fogo”, quando produtores rurais da região se mobilizaram para atear fogo na Amazônia. Apenas nesses dois dias, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) detectou 1.457 focos de calor no estado, um aumento de 1.923% no mesmo intervalo, quando comparado ao ano anterior. Enquanto no dia 9 de agosto foram detectados 101 focos na região, no dia 10 esse número pulou para 715, um aumento de 707% de um dia para o outro.
“Mesmo com o “Dia do Fogo” sendo amplamente noticiado na imprensa do mundo inteiro, pouco foi feito para punir os culpados. Das 207 propriedades que registraram queima em floresta nesses dois dias, apenas 5% foram autuadas. O governo manteve seus olhos voltados para outro lugar, mostrando, mais uma vez, que quem comete crimes ambientais sai impune”, afirma Rômulo Batista, porta-voz da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil.
Como resultado, agosto de 2019 fechou com o maior número de focos de calor registrados na Amazônia para o mês desde 2010.
Somente os municípios de Novo Progresso, Itaituba, Altamira, São Félix do Xingu — que também figuraram entre os 10 municípios mais desmatados em 2019 —, além de Jacareacanga e Trairão, foram responsáveis por 79% dos focos detectados no Pará em agosto do ano passado.
Nesses dois dias, 53 focos de calor atingiram Terras Indígenas e 534 incidiram em Unidades de Conservação. Além disso, 580 focos de calor, o que representa 39,8% do total, foram registrados em área de floresta e cerca de 32,8% em áreas desmatadas, sobretudo no ano referência do PRODES de 2019.
“Os incêndios na floresta amazônica não são resultado de um fenômeno natural, mas da ação humana. Os dados só reforçam que o fogo é uma das principais ferramentas utilizadas para o desmatamento, especialmente por grileiros e pecuaristas, que o usam para limpar áreas para uso na agropecuária ou especulação”, comenta Batista.
Ainda em agosto do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) no Pará instaurou uma investigação para apurar a diminuição no número de fiscalizações ambientais
na região e a ausência da Polícia Militar do estado no apoio às equipes de fiscalização.
Um ano depois desta ação, o Greenpeace esteve em campo para checar o que aconteceu com os locais que apresentaram focos de queimadas no “Dia do Fogo”. O que encontramos foram áreas já completamente desmatadas, outras ainda em fase de desmatamento – que podem queimar novamente este ano – e outras já convertidas em pasto, com atividade pecuária dentro.
Área com polígonos de desmatamento recente detectados pelo Deter, o maior com 6 mil hectares, no município de Altamira (PA). No dia 10 de agosto de 2019, fazendeiros do entorno da BR-163 realizaram o “Dia de Fogo”, uma série de queimadas criminosas. A ação coordenada fez o número de focos de calor aumentar 300% de um dia para o outro na principal cidade da região, Novo Progresso (PA). Um ano depois, o Greenpeace sobrevoou a região para registrar o que aconteceu com as áreas depois da ação. Em boa parte delas, a floresta foi substituída por pasto e bois. © Christian Braga / Greenpeace Seguinte
Nome, RG e impunidade
Ao analisar os Cadastros Ambientais Rurais (CAR) dos municípios de Novo Progresso, São Félix do Xingu, Itaituba, Altamira, Jacareacanga e Trairão, cuja última atualização se refere a fevereiro de 2020, o Greenpeace Brasil identificou que quase metade dos focos de calor ocorridos no Dia do Fogo (49,96%) aconteceram dentro de propriedades rurais cadastradas no sistema fundiário do Pará.
Ou seja, as identidades dos proprietários destes 478 imóveis que tiveram focos de calor no dia ação podem ser consultadas pelo sistema público da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas/PA).
Destes imóveis, 99,37% já apresentavam traços de pastagem mapeados e classificados pelo MapBiomas em 2018, o que indica que o “Dia do Fogo” contou com a participação maciça de pecuaristas da região. Pelo menos 66 deles já possuíam embargos por crimes ambientais anteriores, e reincidiram no delito.
“Mesmo sendo possível fazer a identificação, o governo tomou poucas medidas sobre o que aconteceu. Além disso, vem fechando os olhos para o que estamos vivendo agora com recordes de alertas de desmatamento e dois meses seguidos de queimadas alarmantes. Em vez de combater essa destruição da floresta, o que vemos desde o início desse governo é a vontade de reduzir a proteção ambiental e a cumplicidade com aqueles que destroem a maior floresta ambiental do mundo”, completa Rômulo.