Especialistas divergem sobre constitucionalidade de convocar o presidente como testemunha. Requerimento não foi votado
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou nesta quarta-feira (26) um requerimento à CPI da Covid para convocar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para ser ouvido como testemunha. Especialistas em direito constitucional divergem sobre a legalidade do pedido.
O requerimento foi recebido, mas ainda não apreciado. Randolfe é vice-presidente da comissão. No pedido, ele fala em indícios de participação direta ou indireta dos fatos questionados pela comissão:
“A cada depoimento e a cada documento recebido, torna-se mais cristalino que o Presidente da República teve participação direta ou indireta nos graves fatos questionados por esta CPI”, justifica o senador, em seu requerimento.
Ele cita ainda exemplos para justificar a presença do presidente: “Para citar alguns exemplos emblemáticos: o combate às medidas preventivas, como o uso de máscaras e o distanciamento social; o estímulo ao uso indiscriminado de medicamentos sem eficácia comprovada e à tese da imunidade de rebanho; as omissões e falhas do governo federal que contribuíram para o colapso no fornecimento de oxigênio aos hospitais do Amazonas e que levaram ao óbito de centenas de pacientes por asfixia; as omissões do governo federal na aquisição de insumos e medicamentos para as UTIs; as omissões em relação à proteção contra a covid-19 dos povos indígenas e quilombolas; e, principalmente, o boicote sistemático à imunização da população, deixando de adquirir vacinas da Pfizer em 2020 e no primeiro trimestre de 2021, atacando a China e a vacina Coronavac, colocando em risco o fornecimento do IFA das duas principais vacinas aplicadas no Brasil.”
Presidente da República pode ser convocado por CPI?
Não há consenso, no entanto, se a CPI pode convocar o chefe de outro poder para dar esclarecimentos. Para Michael Mohallem, professor da FGV Rio, a discussão sobre a convocação pode parar no STF (Supremo Tribunal Federal).
“Essa é uma discussão aberta. Tem gente que entende que chefe do executivo não pode [ser convocado], por conta da separação de Poderes. Outros entendem [que pode] por conta do poder geral da CPI de convocar autoridades. Provavelmente essa questão terá que ser esclarecida pelo STF”.
Já para João Trindade, professor de Direito Constitucional e consultor legislativo do Senado Federal, a CPI não pode convocar o presidente: “O presidente da República tem regime especial de responsabilização, só podendo ser investigado com autorização da Câmara dos Deputados”.
A convocação do presidente na condição de testemunha, no entanto, é entendida por outros especialistas como legal. “Tanto a Constituição Federal quanto o regimento interno do Senado silenciam sobre essa questão. Diante do silêncio você pode convocar o presidente como testemunha porque o Poder Legislativo está exercendo função atípica. A típica é criar leis e a atípica é fiscalizar atos do Poder Executivo”, diz a advogada constitucionalista e mestre em administração pública pela FGV Vera Chemim.
Ela lembra que há o argumento de que a convocação afronta a separação de Poderes, com o legislativo invadindo o executivo, o que constitucionalmente é vedado: ” Mas a meu ver, partindo do pressuposto que o legislativo está exercendo função atípica de fiscalizar o executivo, não vejo afronta à separação de Poderes”, argumenta.
Vera Chemim cita ainda a Lei 1579/1952 que em seu artigo 2º diz que as CPIs podem convocar ministros de Estado e tomar depoimentos de autoridades federais. “Se nós entendemos que o presidente da República é uma autoridade federal, e ao meu ver ele é, ele pode ser convocado a prestar depoimento pela CPI. Se não quiser depor pode ajuizar demanda ao STF e em caso de indeferimento ainda tem o direito constitucional ao silêncio, que é o que deve acontecer caso o requerimento de convocação seja aprovado pela CPI, o que ainda não ocorreu”, conclui.
Fonte: R7