O governo decidiu retroceder da tentativa de adiar e modificar o texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) 05/2015, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). No fim da manhã de ontem, houve uma movimentação do Executivo para destinar parte das verbas do fundo ao Renda Brasil, que substituirá o Bolsa Família. O Planalto também queria adiar a votação da matéria, sob a alegação de permitir a participação do novo ministro da Educação, Milton Ribeiro — ele anunciou ter testado positivo para covid-19. Diante das repercussões negativas, da parte de parlamentares e de entidades do setor, chegou-se a um consenso de que o texto vai à votação hoje.
O parecer da relatora da PEC na Câmara, Professora Dorinha (DEM-TO), prevê aumento escalonado da participação da União na complementação do Fundeb, que, hoje, é de 10%. Pelo relatório da parlamentar, essa contribuição passaria a 12,5% em 2011 e aumentaria nos anos seguintes até chegar a 20% em 2026. Além disso, tornaria o fundo permanente. O governo, por sua vez, queria que o Fundeb só fosse retomado em 2022, com 12,5% da participação da União, chegando a 20% em 2027. E desses 20%, o Executivo queria que cinco pontos percentuais fossem destinados ao Renda Brasil.
Com o impasse, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, se reuniu, ontem, com a deputada e com o 1º vice-presidente da comissão especial que analisa a proposta, deputado Idilvan Alencar (PDT-PE). Ele propôs que a complementação saia de 10% para 23%, com 5% aplicados na educação infantil, por meio do Renda Brasil — famílias com crianças em idade escolar receberiam um voucher para pagarem creche particular. Não chegou-se, porém, a um acordo.
O Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da educação básica e ajuda a equilibrar a distribuição dos recursos para o setor (leia Saiba mais). O fundo tem validade até dezembro. Por isso, a urgência para que seja aprovado no Congresso. “Ficar sem Fundeb significa fechar muitas escolas do país, porque muitos municípios dependem dele”, avalia Catarina de Almeida Santos, professora da Universidade Brasília (UnB) e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “O Fundeb ser renovado sem complementação maior da União é continuar com o país do jeito que está, só que agora com o efeito da crise econômica e da pandemia. Quem está se endividando muito mais e perdendo arrecadação nesse processo são os estados e municípios.”
Votação
Apesar de a votação ter sido adiada para hoje, o debate na Câmara começou, ontem, e foi exaltado. A bancada da Educação e a oposição argumentam que a PEC vem sendo debatida no Congresso há 18 meses e nenhum dos ministros da Educação se interessou em participar das discussões. As críticas ganharam ainda mais força diante da intenção do governo de mudar o texto.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou a demora do Executivo em tomar parte no debate. “Tem um ano e meio sem participação do governo. O texto está consolidado, mas não significa que não devamos ouvir o governo. O ministro Ramos está conversando, a equipe é boa e ele tem crédito. Acredito que vai avançar o debate, enquanto o ministro Ramos organiza as propostas que o governo quiser encaminhar e que tenham foco na Educação”, destacou. “O Fundeb tem relatório em relação à complementação consolidado. É a questão de 10% mais 10%. Se o governo quiser outro, pode ser aceito, mas tem de ser para a Educação.” Ele se mostrou contrário em adiar o Fundeb para 2022. “É uma sinalização muito negativa. Eu não vejo sentido nesse encaminhamento”, opinou.
Qualquer mudança nos termos do texto da deputada Dorinha poderá quebrar estados e municípios. A cada R$ 10 investidos em Educação, R$ 6 são provenientes do Fundeb, lembrou Cláudio Furtado, secretário de Educação da Paraíba e membro do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) para o Nordeste. Ele definiu a proposta do governo como “um atraso abissal”. “Uma ação sem debate que, ao fim das contas, partiu do Ministério da Economia e não do Ministério da Educação”, reforçou.
O impacto de uma repentina mudança das regras seria a paralisação de grande parte dos estados e municípios de Norte, Nordeste e Centro-Oeste, afirmou Furtado. “Vai ser um apagão. É difícil entender os motivos que levaram o Executivo a querer transferir recursos do fundo, que ficou fora da lei do teto dos gastos, para projetos sociais.”
Previsão de piora
A secretária de Educação Básica do MEC, Ilona Becskeházy, fez uma previsão muito ruim para a educação básica brasileira. Ontem, durante participação virtual na comissão mista da Câmara que acompanha as ações do governo federal no enfrentamento à covid-19, afirmou: “A nossa situação é de extrema gravidade educacional. Já era antes da pandemia e vai ficar muito pior depois”. A secretária afirmou que os resultados do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), de 2018, evidenciam uma distância muito grande de qualidade em relação a outros países já no cenário pré-pandemia. “Na melhor das hipóteses, temos capacidade de formar 27 mil alunos de alta performance, enquanto os Estados Unidos têm capacidade 10 vezes maior, de 333 mil alunos para um aporte próximo; e a China, 471 mil alunos.” Becskeházy também reconheceu problemas na execução do orçamento: “Em 2020, até agora, só 2% de um total de recursos de R$ 1,6 bilhão foram empenhados”.
Correio Brasiliense.