Automedicação com corticoide pode diminuir defesa do corpo e agravar complicações da Covid-19

Os principais riscos da automedicação com corticoides são a diminuição da defesa do corpo (imunidade) e a complicação de outras doenças já existentes ou até mesmo o surgimento de novas, alertam os especialistas. Em algumas situações, tomar corticoides sem receita pode até mesmo ajudar que o novo coronavírus se multiplique e ganhe força em sua “invasão” ao organismo.

Uma pesquisa preliminar da Universidade de Oxford aponta que a dexametasona – um corticoide barato e de fácil acesso – é o primeiro remédio capaz de reduzir mortes por Covid-19 em casos graves. Mas os cientistas alertam que ele só foi usado em casos graves (pacientes intubados ou que estavam com apoio de oxigênio) e NÃO deve ser usado em pacientes leves ou como forma de prevenção.

Um farmacêutico exibe uma ampola do corticóide dexametasona em hospital de Bruxelas, na Bélgica, em 16 de junho de 2020. — Foto: Yves Herman/Reuters

Um farmacêutico exibe uma ampola do corticóide dexametasona em hospital de Bruxelas, na Bélgica, em 16 de junho de 2020. — Foto: Yves Herman/Reuters

Nesta quarta-feira (17), o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, e o diretor de emergências da organização, Michael Ryan, destacaram os riscos. “Essa droga é um anti-inflamatório muito, muito poderoso. Pode resgatar pacientes que estão em condição muito grave, quando os pulmões e o sistema cardiovascular estão muito inflamados. Ela permite, talvez, que os pacientes consigam oxigenar o sangue em um período muito crítico, ao rapidamente reduzir a inflamação em um período muito crítico da doença”, esclareceu o diretor de emergências.

“Não é uma prevenção. Na verdade, esteroides, principalmente esteroides poderosos, podem ser associados à replicação viral. Em outras palavras, eles podem facilitar a divisão e a replicação do vírus”, disse Michael Ryan

“Então, é excepcionalmente importante, neste caso, que essa droga seja reservada a pacientes gravemente doentes, que podem se beneficiar dessa droga, claramente. Isso é uma ótima notícia, mas é parte da resposta de que nós precisamos clinicamente. Oxigênio, ventilação, o uso de antivirais, o uso de esteroides – e achar uma combinação de terapias que nos permita salvar a maior quantidade possível de pacientes”, explicou Ryan.

Não é para todos

O professor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (SBEM-SP), Cláudio Kater, disse ao G1 que o uso arbitrário de corticoides tem alto risco e pode levar ao desenvolvimento de hipertensão e diabetes.

Ele explicou também que o excesso de cortisol do organismo dá aos pacientes sintomas semelhantes aos da doença conhecida como Síndrome de Cushing, uma alteração metabólica que em casos extremos pode até levar à morte.

“O indivíduo que é diabético, vai piorar o diabetes, o hipertenso tem descontrole da pressão arterial, outros ganham peso e podem ter muitos problemas quanto a isso”, disse o especialista. “O uso desse medicamento não deve ser feito por leigos, tem que ter acompanhamento médico e não está indicado, como prevenção e sim para indivíduos hospitalizados.”

Kater disse também que medicamentos a base de corticoides, como é o caso da dexametasona, já foram contraindicados para epidemias anteriores. Ele lembrou que nas viroses Sars e Mers, por exemplo, a OMS lançou um comunicado alertando que seu uso prejudicava a evolução dos pacientes. Ele reforçou que os resultados dos estudos para a Covid-19 ainda são preliminares e controlados.

O médico intensivista Bruno Tomazini, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, explica que podem ser graves as complicações da automedicação.

“Na farmácia, por ela ser de fácil acesso, talvez a gente acredite que seja um anti-inflamatório comum. Não é. É um anti-inflamatório super potente que pode, em alguns pacientes, desde aumentar a concentração de açúcar no sangue, para alguns ele induz edema, retenção de líquido, hipertensão, e, acima de tudo, por ele diminuir a resposta do organismo a uma infecção, ele pode gerar um comprometimento do sistema imune”, explica Tomazini.

“Em estudos prévios, em outras doenças virais, como a influenza, a Mers e a Sars, alguns estudos mostravam que o uso de corticoide de maneira indiscriminada aumentava a replicação viral. Então se a pessoa usa no momento errado – que a gente acredita que seja quando a pessoa tem o quadro clínico leve -, isso pode de fato aumentar a replicação viral e piorar a situação mais para frente”, diz o intensivista.

Alerta da revista Nature

Em um artigo publicado nesta quarta-feira (17), a revista científica “Nature” celebrou a descoberta, mas ponderou os riscos de efeitos colaterais do uso deste medicamento sem prescrição.

“Os medicamentos suprimem o sistema imunológico, o que poderia proporcionar algum alívio aos pacientes cujos pulmões são devastados por uma resposta imune hiperativa que às vezes se manifesta em casos graves de Covid-19”, explica. “Mas esses pacientes ainda podem precisar de um sistema imunológico totalmente funcional para combater o próprio vírus.”

Agravamento da diabetes e osteoporose, entre outras doenças

A infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo os corticoesteroides podem piorar quadros como diabetes e osteoporose, afirma . Por isso, é importante que as pessoas NÃO tentem a automedicação com a substância, lembra a especialista.

O médico Luciano Azevedo, do Hospital Sírio-Libanês, reforça a recomendação. Ele disse que toda vez que a comunidade científica divulga uma pesquisa como a do medicamento, se gera uma “corrida às farmácias” porque muitas pessoas acham que podem tomar como prevenção.

“Não faz o menor sentido usar o corticoide nem como prevenção nem para pacientes em estado leve. Se tiver alguma indicação, é para os pacientes em estado grave, que precisam de oxigênio ou de respirador artificial” – Luciano Azevedo, médico do Hospital Sírio-Libanês

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