Diante de seguidas crises ambientais no Brasil neste ano e de uma total falta de consenso entre industriais, ruralistas e ambientalistas—que promoveram protestos —, a Câmara dos Deputados recuou e decidiu adiar a votação do projeto que cria a lei geral do licenciamento ambiental no país. Debatida há 15 anos no Legislativo, a proposta estava próxima de ser votada neste ano, com regras mais liberais, mas depois do desastre de Brumadinho, em janeiro, e da série de incêndios na Amazônia nas últimas semanas, o presidente da Casa, Rodrigo Maia, decidiu retirá-la da pauta e promover uma comissão geral, uma espécie de debate ampliado, nesta segunda-feira. E aumentar a discussão demonstrou que, de fato, o consenso estava longe de ser alcançado. O projeto segue agora para a sua quinta versão.
Dois dos pontos de discórdia entre os envolvidos no debate são a criação a licença por adesão (LCA)— uma espécie de autolicenciamento para determinadas atividades—e a redução na quantidade de audiências públicas que precisam ser realizadas para a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental. Os representantes do agronegócio e os industriais defendem essas regras menos rígidas, enquanto os ambientalistas querem algo mais rigoroso do que o que foi elaborado até o momento pelo relatório do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP).
“É preciso tomar cuidado para não se deixar levar nem por aqueles que querem liberar tudo nem por aqueles que não querem mudar nada”, afirmou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, à Agência Câmara. Foi ele quem notou que as divergências estavam maiores do que qualquer consenso e decidiu dar a Kataguiri, um deputado em primeiro mandato e sem vínculo direto com os ruralistas ou com ambientalistas, a missão de tentar solucionar. Tudo sob a tutela de Maia, que nos últimos meses tem tentado distanciar sua imagem de radicalismos, como os pregados por Jair Bolsonaro.
Um aparente consenso entre as partes é sobre a necessidade de se criar um marco legal para o licenciamento ambiental. Atualmente, atos administrativos de municípios, estados ou do Governo federal acabam sendo a baliza para autorizar ou não a existência de determinada atividade econômica. Em vários momentos, essas regras divergentes em esferas distintas acabam gerando a judicialização dos licenciamentos o que não beneficia nenhum dos lados.
“A forma atual do licenciamento feita por atos administrativos gera muita insegurança e discricionariedade”, ponderou o chefe da Assessoria de Assuntos Socioambientais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, João Adrien Fernandes.
Entre os representantes dos ambientalistas, uma das queixas recorrentes é a da diminuição da participação popular no momento de definir o que pode ou não ser licenciado. Hoje, os conselhos municipais, estaduais e nacional do Meio Ambiente —formados por representantes da sociedade civil e do Governo— são obrigatoriamente consultados sobre a possibilidade de autorizar o funcionamento de uma ou outra atividade. Pelo texto que havia sido apresentado, contudo, eles deixariam de ser. “Do jeito que está, acaba com transparência do processo e abre a possibilidade de judicialização”, opinou a coordenadora de projetos da ONG SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro.
Na mesma linha seguiu a professora de direito ambiental Mariana Cirne, do Centro Universitário de Brasília. “As pessoas têm de entender que o licenciamento ambiental é um instrumento técnico, não um entrave. Mas para ele existir é necessário haver um amplo debate entre a sociedade”, afirmou. Até o fim do mês, Cirne deve publicar uma pesquisa na qual analisou o processo ambiental de 14 hidrelétricas instaladas no Brasil. Ela constatou que em quatro desses processos houve alterações no relatório de impacto ambiental dos projetos apenas por conta da participação da população que seria afetada pelos empreendimentos. E isso só foi possível porque a atual legislação ambiental não limita o número de audiências públicas que devem ser realizadas para se autorizar determinada atividade. “Se não ocorressem os debates, nada mudaria”, disse.
Membro da bancada ruralista, Domingos Sávio (PSDB-MG) disse que os conselhos podem cometer equívocos e que a vontade popular costuma ser expressada no Parlamento, por meio do voto. “Temos todo respeito pelos conselhos, mas ele é sujeito a equívocos. Sob o pretexto de resolver tudo, radicaliza”. Já o presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, Alceu Moreira (MDB-RS), não demonstrou estar otimista com a conclusão do processo porque ele entende que o texto que irá a voto “passará longe da unanimidade”. “Se um dia tivermos uma legislação ambiental que agrade a todos, ela não serve para nada”.
Ainda não há um prazo para que Kataguiri entregue seu texto. “Nosso propósito é a construção de um texto equilibrado resultante do diálogo que seja a expressão da vontade da maioria e, infelizmente, até hoje não conseguimos chegar a esse ponto”, declarou Rodrigo Maia.
EL PAÍS.