A decisão do presidente Jair Bolsonaro (PL) de conceder o perdão ao deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) teve aval dos militares do governo e foi costurada pelo núcleo bolsonarista raiz do presidente – na contramão do que aconselhou o Centrão.
Bolsonaro, a princípio, tinha sido aconselhado a deixar a saída para o caso Silveira para o Parlamento: ou seja, pressionar Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, a salvar politicamente o mandato do deputado uma vez que, juridicamente, ele já estava condenado à prisão, mas os parlamentares poderiam questionar junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) a decisão sobre o mandato.
A Câmara chegou a acionar o STF, mas Bolsonaro saiu do roteiro e aderiu ao “núcleo duro” de assessores: foram encarregados de achar a solução do decreto concedendo a graça a Silveira
- o subchefe de Assuntos Jurídicos do governo, Pedro Cesar Sousa;
- o secretário de Governo, Celio Faria;
- o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge Oliveira – indicado por Bolsonaro e considerado praticamente da família Bolsonaro;
- e o Advogado-Geral da União, Bruno Bianco.
Fora Bianco, todos são bolsonaristas raiz.
O Centrão, que tenta vender a imagem de um Bolsonaro “moderado”, foi vencido no argumento de que a decisão levaria a uma nova crise institucional com o STF.
O que é a ‘graça‘ concedida por Bolsonaro?
O termo técnico do que Bolsonaro concedeu a Daniel Silveira é “graça” e está previsto no artigo 74 do Código Penal.
“A graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da Republica, a faculdade de concedê-la espontaneamente”, diz a lei.
Tecnicamente, a graça é diferente do indulto — a primeira é um benefício individual, enquanto o segundo é dado coletivamente, como no caso dos indultos natalinos, que são concedidos a diversas pessoas que se enquadram em determinados critérios.
Por que juristas questionam graça a Daniel Silveira?
O principal debate jurídico levantado pelo perdão oficial dado por Bolsonaro é sobre a validade do ato: tradicionalmente graças são dadas a casos que já foram transitados em julgado, ou seja, quando todas as possibilidades de recorrer são esgotadas em um processo. Esse não é o caso de Daniel Silveira agora. No entanto, juristas divergem sobre se esse critério é obrigatório ou não.
Para o jurista e desembargador aposentado Walter Maierovitch, o decreto anunciado pelo presidente poderia ser considerado tecnicamente nulo, uma vez que, do ponto de vista jurídico, o julgamento de Daniel Silveira ainda está em curso, pois ainda cabem recursos da decisão do plenário do STF.
Bolsonaro estaria cometendo crime de responsabilidade?
A lei dos crimes de responsabilidade é de 1950. É ela que norteia, por exemplo, o processo de impeachment como o que aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.
O artigo nº 6 da lei diz que são crimes quaisquer atos que atentarem contra o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário.
O jurista Gustavo Badaró também avalia que o indulto a Silveira possa ser interpretado como um crime de responsabilidade.
“É um crime de responsabilidade porque ele (Bolsonaro) está interferindo no funcionamento do Judiciário. É uma forma de dizer que, independentemente do que o Judiciário faça em relação a uma determinada pessoa, o Executivo não permitirá que ela seja punida”, explicou.
Os juristas afirmam que, apesar de o decreto extinguir a pena dada pelo STF a Silveira, muito provavelmente, vai caber ao próprio Supremo avaliar a legalidade da medida.