O aumento da fome no Brasil foi impactado pela pandemia, como em outros países. Mas não é só o efeito da covid que explica a piora no nível de segurança alimentar dos brasileiros, que já vinha piorando antes do coronavírus.
O alastramento da fome no Brasil é reflexo também do fim ou esvaziamento de programas voltados para estimular a agricultura familiar e combater a fome, além de defasagem na cobertura e nos valores do Bolsa Família.
São 19 milhões de brasileiros em situação de fome no Brasil, segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan). A comparação com 2018 (10,3 milhões) revela que são 9 milhões de pessoas a mais nessa condição.
Olhando dados mais antigos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é possível ver que em 2013 o Brasil teve o melhor nível de segurança alimentar da série histórica (Pnad), com mais de 77% dos domicílios nessa condição.
Em 2014, o Brasil inclusive deixou o chamado Mapa da Fome da ONU.
Cerca de quatro anos depois, no entanto, a Pesquisa de Orçamento Familiar (2017/2018) do IBGE mostrou que a situação de segurança alimentar era vivenciada por apenas 63,3% dos domicílios pesquisados.
Nesse intervalo, houve aumento na quantidade de domicílios em todos os níveis de insegurança alimentar — leve (preocupação com quantidade e qualidade dos alimentos disponíveis), moderada (restrição quantitativa de alimento) e grave (identificada como fome).
Ações além das emergenciais
As ações emergenciais de assistência socioeconômica, como o auxílio emergencial e o programa Bolsa Família, são extremamente necessárias, porém insuficientes.
Economista-chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, Juliane Furno chamou a atenção, entre outros pontos, para a paulatina redução da área plantada de arroz e outros gêneros da cesta básica, devido ao avanço da área plantada de milho e soja. Além disso, segundo ela, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e a política de segurança alimentar foram desestruturadas, assim como a política de estoques reguladores, que serviam para os amortecer preços internos, em períodos de desvalorização cambial.
Agricultura familiar
O apoio à agricultura familiar surge como ponto fundamental nas falas dos especialistas. Com a incidência da fome maior na área rural, incentivos aos pequenos produtores viabilizam o plantio para subsistência e geram excedente que é destinado à venda, aumentando a renda nessas casas. Além disso, os agricultores atuam em maior equilíbrio com os recursos naturais e o meio ambiente.